Bruno Albergaria* relata que o Tribunal da Santa Inquisição se instalou em 1231 d. C. A vontade de Deus, monopolizada pela dominante Igreja Católica, inicialmente se dirigia aos hereges: bruxas, judeus, muçulmanos entre outros. Com o tempo os julgamentos em geral eram associados ao pecado e a sacristia se tornou tribunal. A execração pública sempre se manifestava de forma exemplar e impressionante.
Particular atenção se dava a um tipo de julgamento no qual o acusado era atado a uma pedra e lançado às águas. A Igreja dizia: “Se for inocente, Deus é poderoso o suficiente para fazê-lo boiar!” Ninguém boiava! E a igreja ainda concluía: “Julgamos corretamente. Era culpado!”. Não, esse não é um artigo sobre a Santa Inquisição, nem sobre os males da Igreja Católica. Também não tem a intenção de generalizar práticas eclesiásticas distanciadas da Bíblia. Mas levá-lo a refletir sobre o que, de fato, é a vontade de Deus.
Corta para o século XXI! O que você comeu hoje de manhã? Com que roupa saiu de casa? Onde decidiu ir primeiro em sua rotina? Pra quem telefonou? A quem enviou mensagem? Com quem interagiu? A conclusão óbvia é que atribuímos, falsamente, a Deus coisas que estão em nossa alçada. Não somos robôs do Criador. Temos livre arbítrio.
Evidentemente, todas as coisas concorrem para seu bom propósito. É que Ele se utiliza do que lhe interessa para que a macro história da humanidade continue sob seu comando. Só o Senhor tem poder para fazer isso! Mas, contudo, todavia, porém, está ao nosso dispor uma vasta gama de opções sobre as quais nós podemos e devemos decidir.
E isso é complicado, porque:
- Com alguma frequência, atribuímos a Deus decisões que são nossas;
- Tentamos envolvê-lo para validar decisões inescrupulosas e incoerentes;
- Quando dá certo, creditamos o sucesso a nós mesmos;
- Quando algo dá errado, fugimos dos efeitos de nossas decisões;
- Chegamos a atribuir ao próprio Deus tais efeitos!
Conviver com esse dilema envolve conhecer primeiramente a Deus. Ele não fará nada que implique se despir de sua santidade e coerência. Deus não dará ordens despropositadas e sem sentido. Sabendo quem é Deus, você não tentará cooptá-lo para sustentar sua fraude.
Depois precisamos conhecer sua Palavra. Nela estão contidas as regras básicas da sua vontade. Desde a primeira narrativa da criação ao fechamento do Apocalipse a vontade de Deus se coloca, O ser humano é que via de regra toma decisões à revelia dessa vontade, distorcendo seus propósitos.
Por fim, devemos conhecer a História. Fatos como os narrados inicialmente depõem contra muitas posturas encontradas no dia a dia da Igreja que se diz comprada pelo sangue de Jesus. Devemos ter muito cuidado para não tomar decisões em nome de Deus, disfarçadas de utilitarismo com a sua vontade. Ele não vai endossar nosso acinte!
Quem sabe um dia saibamos, na eternidade, que em muitas decisões que tomamos ou impusemos àqueles que nos cercam, não era a vontade de Deus, mas a nossa!
* Albergaria, Bruno Histórias do direito : evolução das leis, fatos e pensamentos / Bruno Albergaria. – 3. ed. – São Paulo: Kindle, 2019.