O gospel é a próxima onda brasileira, diz executivo que lançou Michel Teló
“É natural que uma empresa de mídia abra espaço para os evangélicos. Eles hoje são cerca de 30% dos brasileiros e daqui a dez, 15 anos vão ser metade do Brasil
“. É assim que Leo Ganem, diretor da agência UM Entretenimento, sintetiza o fenômeno do mercado gospel no país em anos recentes.
Biólogo e ex-presidente da gravadora Som Livre, onde lançou nomes como Maria Gadú e Michel Teló, Ganem personifica uma conjuntura em que a música cristã cresce em oposição à crise no mercado fonográfico. Mesmo não sendo evangélico, ajudou a introduzir o gospel no mercado secular, ainda na Som Livre, através da coletânea “Promessas” e criou, em 2013, a UM Entretenimento para investir em talentos cristãos.
Parceira da Universal Music, a UM se diferencia pelo tom moderno que aponta os novos rumos do universo gospel. Entre os artistas no cast inicial estão o grupo DN1, primeira boy band evangélica do país, e a cantora Radassa Peres, especializada em música eletrônica cristã.
Em entrevista exclusiva ao
UOL, Leo Ganem fala sobre sua trajetória pessoal, as peculiaridades do mercado cristão (“Você tem que criar esses laços políticos e de relacionamento com os pastores, com a liderança evangélica”), seu objetivo de introduzir o gospel nas rádios seculares e, de lambuja, como identificar e produzir um hit cristão.
UOL – Como você chegou até a UM? Como foi sua trajetória pessoal?
Leo Ganem – Minha trajetória pessoal não é a mais ortodoxa. Eu me formei em biologia, passei dez anos como pesquisador nos Estados Unidos e, quando bateu aquela saudade do Brasil, não fazia sentido voltar como pesquisador. Acabei arrumando emprego numa consultoria de negócios. Mudei de vida completamente e, a partir dessa consultoria, surgiu a oportunidade de me juntar à Som Livre. Foi onde me encontrei. Passei seis anos na Som Livre, três como presidente, e depois o pessoal da Globo, da qual faz parte a Som Livre, me pediu para assumir a Geo, que era a empresa de eventos do grupo. Fui para lá e tive a oportunidade de trabalhar com artistas e eventos maravilhosos.
Como você chegou nesse cenário evangélico e à ideia da UM?
Na Som Livre, eu e meu diretor comercial na época, o Emílio Magnano, tínhamos uma coletânea que estava meio engavetada e se chamava “Promessas”. Seria a primeira coletânea evangélica da gravadora. Estávamos pensando se isso iria para a mídia. Era um negócio politicamente sensível na época, não sabíamos como tratar. Tomamos a decisão de pôr na mídia e ver como a coletânea se sairia. Para nossa grata surpresa, ela decolou, vendeu muito bem. Pegamos a marca “Promessas” e apropriamos para o festival e o troféu, que levaram o mesmo nome, criados ainda na Som Livre. Quando mudei para a Geo, continuei muito próximo do meio evangélico.
Continuamos produzindo o festival e o troféu “Promessas” na Geo. Criamos também uma feira. Quando finalmente tomaram a decisão de mudar a estratégia da Globo com relação a eventos, eu saí do grupo e pensei: “Quero ter meu negócio. A plataforma de comunicação na qual eu acredito hoje e o público com o qual eu consigo consolidar e estruturar um bom negócio de música é o evangélico”. Foi aí que surgiu essa fagulha. Me juntei com o Emílio, hoje meu sócio, e nós criamos a UM Entretenimento.
Você disse que era algo politicamente delicado. Como era essa relação entre o mercado secular e o mercado gospel?
Na época, não havia relação. Ninguém fazia o meio de campo entre o secular e o gospel. No passado, houve casos de gravadoras seculares com cantores evangélicos, mas na nossa geração não tinha ninguém trabalhando assim. O que eu quis dizer é que é necessário abrir com muito cuidado essa porta. Primeiro porque você está tratando com a fé das pessoas. Não é só música, arte e dinheiro. É arte, dinheiro e fé. Você tem a oportunidade de trabalhar com uma coisa relevante para milhares e milhões de brasileiros.
Ele tem alguns dos mesmos elementos. Você precisa de uma melodia simples que apele para uma grande massa de pessoas e a harmonia também costuma ser simples. Generalizando, claro. Nem toda harmonia é simples, nem toda melodia é pouco sofisticada. Mas, como regra geral, essas são as grandes músicas que emplacam. Essas são coisas em comum entre a música evangélica e a música secular. Mas para além disso, o que a música secular não tem e a evangélica tem que ter é uma mensagem bem costurada que fale dos valores e da fé. E o artista tem que navegar bem não só pelos palcos, mas também com os pastores e a igreja. Ele não pode esquecer das raízes.
A parte de relações artísticas do selo então fica diferente por causa dessa relação com a igreja?
Certamente. Você tem que criar esses laços políticos e de relacionamento com os pastores e com a liderança evangélica. Não é muito diferente do nosso dia a dia com outros negócios. Você tem que criar seus laços com as pessoas que realmente coordenam aquele segmento. Então a gente acaba tendo áreas para contato com as igrejas, para conversar com pastores e para o café com as lideranças.
Está claro que existem elementos da letra e da mensagem que não se encaixam na música evangélica. Mas, na parte musical, existe espaço para todos os tipos de gênero ou algo que ainda não pode ser feito?
Em termos de estilo, pode tudo. Se você olhar a gama de música evangélica brasileira, eu diria que é a mais rica do mundo. Vai do sertanejo ao rock passando pelo hip-hop e funk. Todos os estilos musicais que você vê no secular existem no evangélico. É errado falar de “música gospel” pois é um estilo muito bem definido que tem raízes nos Estado Unidos, que é a música de louvor de igreja norte-americana. Aqui no Brasil também existe, é um segmento importante, mas não é o único. Você tem música cristã de todos os tipos.
Como é a relação com o mercado secular? Já existe uma intersecção com o mercado ou são dois nichos separados?
Existem algumas intersecções interessantes começando. Por enquanto, eles ainda viveram paralelamente como mercados separados, mas hoje se vê muitos cantores evangélicos fazendo a ponte e cantando em rádios seculares. Esse é o primeiro grande passo. Você tem Thalles, Régis Danese e outros que já fizeram o crossover e tocaram muito bem em rádios seculares. Isso é interessante, porque para mim é o próximo grande passo da música evangélica: não se restringir só ao músico evangélico. Existem artistas de altíssima qualidade fazendo música com uma mensagem bonita. Quando você tem vários estilos musicais, e não apenas o louvor da igreja, é natural que isso aconteça, como acontece lá fora. Há um século, talvez, já se vê grandes artistas indo e vindo. Elvis Presley talvez seja um grande exemplo de artista que adorava a raiz gospel, cantava contra o desejo dos empresários, os hinos da igreja dele e isso funcionava muito bem para uma plateia que era absolutamente heterogênea. No Brasil, a gente pode e vai ver isso acontecendo, estou apostando e querendo ajudar.
E dos artistas que vocês estão trabalhando agora, quais são as características de cada um?
Temos dois modelos de trabalho. Temos aqueles artistas que vêm só pela prestação de serviços, mas não temos participação efetiva na carreira deles, não somos sócios. E tem outros com quem a gente tem realmente uma sociedade profunda, somos parte da carreira. Cito exemplos dos dois lados: o
Renascer Praise que é um ministério de vários anos, histórico de São Paulo, está com a gente. Veio para ser distribuído através da Universal e contratou nossos serviços de agendamentos de shows. Não tenho uma participação na carreira do Renascer, mas sou comissionado pra vender os shows dele e sou recompensado pela Universal por trazer esse artista. E temos neste modelo também o
DN1, uma boy band evangélica.
Do outro lado, eu tenho artistas como
Eli Soares, que está saindo agora, em quem eu aposto para ser o grande nome em termos de revelação para 2014, e nós participamos ativamente da carreira dele. Temos a Radassa Peres, uma menina de Goiânia que está se mudando para o Rio, que canta música gospel eletrônica. Temos o Clóvis Pinho, que acabou de assinar com a gente, é um excelente nome, regresso do Renascer Praise, que está lançando a carreira solo e é um grande nome e eu sou um fã da música dele. Acho a voz fenomenal, as composições fenomenais. Está se juntando à gente agora. Esses são os dois modelos. Eu diria que hoje temos uns seis ou sete artistas no cast
Você chegou ao cenário evangélico por uma questão de mercado ou por um fator de convicção pessoal, em relação à mensagem e conduta dos artistas?
As duas coisas. E a falta de qualquer uma das duas invalidaria a outra se não fosse verdade. Houve sim uma tremenda evolução do mercado evangélico no Brasil. Ele está num momento onde vai tocar não só o coração dos evangélicos, mas vai começar também a tocar nas rádios seculares. Acredito que a música evangélica seja a próxima grande onda brasileira. E não me entendam errado quando eu falo em “onda”. Eu entendo que existam milhões de pessoas que sempre tiveram a música evangélica no coração, por uma questão de fé. Estou me referindo a um público que talvez não seja nem evangélico, mas vai começar a ouvir música evangélica. Então, se o primeiro ponto é este grande salto de qualidade e diversidade, o segundo ocorreu através da aproximação que eu tive com vários artistas, profissionais e pastores. Acabei me aproximando muito da mensagem, com a qual eu simpatizo muito. Infelizmente às vezes a mídia retrata os piores pontos de cada segmento. É preciso dar más notícias para vender jornal. Mas quando eu olho para a mensagem evangélica como um todo, é algo que está tocando o Brasil inteiro, salvando cidades inteiras do alcoolismo, por exemplo.
E a música católica, como se relaciona com a evangélica? Já existe a possibilidade de um trabalho conjunto?
A música católica também tem um mercado bastante bom, apesar de não ser tão rica e diversificada quanto o evangélico. Você tem bandas como o
Rosa de Saron, que talvez seja uma das melhores bandas de rock do Brasil, e os padres cantores, como o
Padre Fábio, o
Padre Marcelo, o
Padre Reginaldo Manzotti. É um segmento bacana, mas com menos variedade. Hoje, para falar a verdade, eu não estou misturando as coisas. Mais por uma questão de cautela na condução do meu negócio. Isso não impede pessoas católicas de ouvirem músicas evangélicas, como já acontece. No ano passado, teve um cantor evangélico nas celebrações da vinda Papa Francisco ao Brasil, o
Asaph Borba. Então existe a possibilidade de uma ponte, mas pelos séculos de problemas entre essas duas culturas, prefiro ser cuidadoso. Vamos nos manter focados nos evangélicos.
Sobre o Festival Promessas, qual seu papel na introdução da música evangélica na mídia secular?
Na época, o presidente da Globo me disse que estavam querendo fazer um programa musical evangélico de fim de ano. Eu mandei então toda a ideia do festival e eles gostaram. O que seria para 7.000 pessoas acabou virando algo para 70 mil. No final, deixamos uma pegada muito importante para a cultura brasileira, colocando o gospel no horário nobre para o Brasil inteiro ver. É natural que uma empresa de mídia abra espaço para os evangélicos. Eles hoje são cerca de 30% dos brasileiros e daqui a dez, 15 anos vão ser metade do Brasil. Então se você não fala com esse público, você não está prestando atenção. Fico feliz de ter participado dessa mudança.
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