Leio duas reportagens que me deixam esperançoso, às avessas. Já explico. Ambas falam da Record. A TV do Bispo Macedo. Reportam um aumento da audiência. Falam num número mágico de 83%. Vamos a pouquinho de uma das reportagens, volto a seguir:
Se alguém ainda duvidava de milagres, eis um: o ibope da Record cresceu 83% no país, no horário da novela “Os Dez Mandamentos”. A comparação foi feita com o mês anterior à estreia da trama bíblica.
Os dados consolidados obtidos pelo UOL mostram que a história de Moisés fez bombar a audiência em praticamente todas regiões metropolitanas do país (PNT).
Em São Paulo, a novela fez a audiência crescer 65% e a participação no universo de TVs ligadas (share) subiu 62%.
Em Curitiba, no entanto, a trama bíblica elevou o ibope da Record em 153% em pontos e 150% em share. Foi o maior índice registrado no país.
No Rio de Janeiro, esse crescimento foi de 116% e 107%, respectivamente.
Belo Horizonte (+73%), Recife (+82%), Distrito Federal (+76%), Goiânia (+97%) e Vitória (+135%) são outros exemplos de praças onde a novela da Record emplacou.
Ao menos no horário em que “Os Dez Mandamentos” é exibida, a ainda líder Globo perdeu 23% em pontos de audiência e um quarto de participação no universo de TVs ligadas.
É inevitável concluir que a Bíblia dá audiência. Pior, a revista eletrônica não faz nenhuma crítica desdenhosa além da arrumação típica da TV. Ou seja, embora insira personagens inexistentes, aumente tramas invisíveis e arraste o telespectador para o pântano do universo das novelas, este é o menor dos pecados. Em última análise apresenta a Bíblia para o leigo, ainda que de maneira deturpada. O Maurício Stycer, sempre muito crítico à Record se deslumbrou:
Maior sucesso da Record em muitos anos, a novela “Os Dez Mandamentos” ajuda a entender, ao menos em parte, os humores do público da TV aberta no Brasil.
A ousada decisão de transformar uma história bíblica num folhetim com mais de cem capítulos obrigou a autora do texto a fazer uma série de malabarismos. Dando muita corda à imaginação, Vivian de Oliveira criou personagens, inventou histórias e desenvolveu tramas com a maior sem-cerimônia.
Ainda que tenha optado por nomes difíceis e, muitas vezes impronunciáveis para vários personagens (Bakenmut, Bezalel, Eliseba, Henutmire, Joquebede etc.), a autora tem escrito diálogos com uma linguagem bem coloquial, semelhantes aos de tramas contemporâneas.
“Mulher gosta de homem com atitude”, filosofou um guarda no capítulo de quarta-feira (29). Ao ver a rainha Tuya passar, acrescentou: “Bem que eu pegava”. No mesmo episódio, o sacerdote Paser tentou convencer a mulher, a vilã Yunet, a fazer sexo oferecendo “um pozinho azul maravilhoso” a ela.
Mais que isso, a novela está apostando em conflitos capazes de seduzir o público interessado em dramas juvenis e água com açúcar –um “capa e espada” bíblico.
Ok. Não gosto de novelas. Digo sempre que se fosse por elas já estaria no Céu. A questão que quero levantar é outra: A igreja está contando a Bíblia pros seus ouvintes. Faço testes com alunos de EBD que afirmam que Paulo e Lucas andaram com Jesus! Que existe na Bíblia o livro de Judite ou Macabeus! Que Deus bradou a alguém: Faz por ti que te ajudarei! Ou seja, enquanto nos furtamos a investir em educação bíblica de qualidade (e esse é um “mérito” da própria IURD, também) as novelas estão atraindo as pessoas para a Bíblia. É aquela velha história do benefício proporcionado pela Igreja Católica na história do evangelismo brasileiro. Podiam conhecer errado, mas alguma coisa conheciam. Até hoje não soubemos aproveitar bem a oportunidade.
Seminários em crise de vocação. Professores relapsos de EBD, sem generalizar porque conheço muita, mas muita, gente boa! Obreiros ausentes da Escola Dominical. Cultos de doutrina fracos e sem conteúdo. Púlpitos com prédicas de 15 minutos. O que dizer dos programas televisivos evangélicos? Escolhem a parte mais difícil pro ouvinte. Não falam da Bíblia, nem de Bíblia alguma, se é que me entendem. E mesmo com essa indisposição, as pessoas estão interessadas! Uau!
Por essas e outras os Testemunhas de Jeová são incansáveis, enquanto muitos de nós torcemos o nariz para eles. Estabelecem suas metas, acompanham diuturnamente, saem à evangelização pessoal de modo denodado e exemplar. Pra quem não sabe possuem uma da gráficas de mais alta qualidade entre os evangélicos e possuem o site cristão traduzido para o maior número de idiomas. Outros não ficam para trás. Os mórmons investem em treinamento, enviam de dois em dois para seu almoço ou jantar. Falam do Livro de Mórmon com a convicção de Paulo. E vai por aí afora.
Que o povo quer ouvir falar da Bíblia não tenham dúvida. Talvez, o problema é que nós não queremos contar a história certa, vem outro engabela o ouvinte e convence a audiência. Sofre tanto o público interno, quanto o externo. É o que aconteceu na Copa, quando mais de um milhão de estrangeiros estiveram entre nós e pouco ou nada foi feito para evangelizá-los. Só nos restou chorar?
[1] http://celebridades.uol.com.br/ooops/ultimas-noticias/2015/04/30/os-dez-mandamentos-eleva-ibope-da-record-em-83-no-pais.htm
[2] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/mauriciostycer/2015/05/1624001-a-biblia-para-leigos.shtml
[3] http://www.brasil.gov.br/turismo/2014/08/gastos-de-visitantes-estrangeiros-superaram-us-1-5-bilhao