Prezados leitores, boa parte de vocês está a par dos tristes fatos ocorridos alhures com a má utilização do dom de profecia entre nós. Os casos se amontoam e exigem uma reflexão apropriada. Infelizmente, me falta tempo para fazê-la nos melhores termos.
No Antigo Testamento temos grandes profetas, cujo legado se perpetuou até nós. E temos também os falsos profetas. Esta porção da Bíblia se preocupou em distingui-los. Ou seja, tão antiga quanto a ocorrência de profecias é a preocupação do texto sagrado em separar os verdadeiros profetas dos falsos (II Pedro 2:1). Como era um dom exercido com um chamamento em meio a muito sofrimento e renúncia havia uma certa facilidade em reconhecer os verdadeiros. Hoje está banalizado…
As regras propostas no Novo Testamento, tanto implícita como explicitamente, são:
- É o Espírito Santo quem dá profetas à Igreja (I Coríntios 12:10; Efésios 4:11). Por mais que soe bonito, atraente, poderoso, é o Espírito de Deus quem nos reparte. E Ele pode usar qualquer um (I Coríntios 14:31)! Porém, mesmo que nem todos sejamos profetas, devemos nos contentar com aquilo que Deus nos deu e a forma com que nos usa em sua obra (I Coríntios 12:28,29);
- A profecia deve ser desejada como um dom por excelência (I Coríntios 14:1,6,22). É que quem fala em línguas não é compreendido pelos ouvintes, já o profeta, sim! E não me venham com a equiparação rasteira entre doutrina e profecia. Uma coisa e outra não se confundem, como vemos em I Coríntios 14:6! Mas, atenção: O apóstolo diz: …buscai, com zelo…! Você já orou por isso hoje? Então, não está sendo zeloso! Aproveitando a deixa, é um mistério que ninguém busque os demais dons!
- A profecia deve ser exercida com amor e fé (Romanos 12:6; I Coríntios 13:2). Como tal, o profeta deve amar o ouvinte ao transmitir a profecia. Percebo muitas vezes uma jactância com certos profetas. Eles transmitem uma mensagem de juízo com certo triunfo. Isto é muito perigoso! Minha é a vingança, diz o Senhor (Romanos 12:19). Se o Senhor te disser: “Fala uma frase”, não profetize uma página!
- A profecia não pode subverter as Escrituras (I Coríntios 14:29; I João 4:1). Toda profecia deve ser julgada segundo os parâmetros bíblicos. Se não há nitidez no que se fala, que nos calemos. Deus nem sempre age segundo padrões pré-estabelecidos. Cuidado redobrado devemos ter com profecias sobre a volta de Jesus e coisas generalizadas. Dizer, por exemplo, “estou mudando o cativeiro”, “estou abençoando”, “há pecado no meio da Igreja”, muitas vezes são expressões pessoais do profeta. Uma obviedade escancarada. A maior profecia ainda é a Palavra de Deus expressada na Bíblia! E é por ela que todas as demais profecias devem se reger!
- O profeta não pode perder o controle de suas faculdades mentais (I Coríntios 14:32). Ao profetizar não há êxtase, é diferente do sonho e da visão. Portanto, exageros e salamaleques são fruto de psicopatias e incipiência. O profeta deve aprender e se aprimorar para o bem da Igreja (I Coríntios 14:31). Tornaram-se notórias as profecias de vitória para políticos, quando na verdade é o gosto pessoal do profeta ou para afanar o ego de um preferido da liderança eclesiástica. Conheci profetas que exigiam dinheiro, bens e posses, porque quem ele achacava se achava amedrontado;
- A profecia não traz desordem para o culto (I Coríntios 14:26,29-31). Embora não hajam níveis de importância entre profecia e doutrina ou pregação é ordeiro imaginar que os profetas estejam calados durante a exposição da Palavra. A razão principal é que no momento da pregação o pregador é um profeta de Deus para os ouvintes. Há algumas exceções, por exemplo:
a) O pregador não está sob a direção e unção de Deus. Aí os necessitados não podem ser despedidos vazios e Ele usa seus vasos;
b) Há uma mensagem especial e urgente a ser transmitida. Estava num congresso de jovens no templo central em Recife, pregava na ocasião o Pr. Geziel Gomes. Vi o momento em que toda igreja se calou para ouvir uma profecia. Na verdade um irmão, no meio de 5.000 pessoas à época, falou em línguas por um bom tempo enquanto foi interpretado pelo pregador. Participei de diversos outros congressos e nunca mais aconteceu algo assim…
No mais tal prática mostra jactância espiritual e desprezo pela Palavra de Deus. Ora pelo profeta que quer demonstrar autoridade sobre a liturgia, ora para desvirtuar o trabalho do Senhor. Já vi muitas coisas a esse respeito. Um vaso que se levanta antes que o outro termine. Um que anuncia ser Jesus falando, outro que, para afetar mais poder, anuncia ser Deus. Palavras desconexas e ininteligíveis, que atrapalham a audição. Tornando muitas vezes o culto caótico.
Em determinadas reuniões ditas de poder o que há mesmo é sacolejado e jactância vã. Já fui um crente menino espiritual, do tipo que saía de um Círculo de Oração para outro, porque no anterior Deus não estaria falando, pois não havia profecias. Nessa brincadeira ia a duas, três igrejas numa só tarde, procurando onde Deus estava falando. Já vi muitos vasos afetando poder, santidade e não tinham nem uma coisa, nem outra. O que dizer daqueles que sentados não glorificam, mas ao falar ao microfone se transformam? Nem por isso devemos desprezar os profetas, muito menos o dom de profecia. O que deve haver é o ensino bíblico sistemático do assunto, para que as distorções sejam corrigidas. Mas quando foi, prezado leitor, que você assistiu a um estudo sistemático sobre o assunto em sua Igreja?
Em muitos lugares as lideranças adoram e incensam os chamados “vasos” porque nada tem a oferecer à Igreja por si sós. E ainda sobra uma profetada ou outra para eles mesmos, algumas das quais reafirmando seu domínio sobre o rebanho e platitudes do gênero. Por outro lado, determinados cultos e reuniões são eco de eventos nacionais, que são hoje grandes celeiros de meninices espirituais no Brasil. Depois que a coisa descamba para a bagunça ficam surpresos. Comumente, por exemplo, e sem generalizar, as dirigentes de Círculo de Oração cultivam seus pupilos, assim o trabalho é animado e concorrido.
A maior razão pela qual vamos à Igreja é a adoração a Deus. Nosso guia de atuação no culto ainda é a sua Palavra. Nosso intuito é o crescimento do corpo de Cristo, a Igreja. E não podemos extinguir o Espírito Santo (I Tessalonicenses 5:19), mas tudo tem que ser feito com decência e ordem (I Coríntios 14:40). Gosto de um trabalho espiritual e pentecostal, mas repilo tenazmente os exageros.
Li em algum lugar que o pão da proposição tinha a dose certa de óleo e água. Se colocasse muito óleo se esboroava, se muita água ficava duro. Crentes que não gostam de orar, via de regra se tornam insensíveis à voz de Deus. Outros que ignoram trabalhos de aprendizado como doutrina e EBD tendem a ser meninos espirituais.
Finalizo, com duas histórias. Nos tempos que os pastores oravam uma manhã, um dos líderes pernambucanos estava em sua casa quando um homem bateu à porta. Sua esposa atendeu e foi logo ouvindo: “Cadê o pastor? Tenho uma mensagem para ele!”. Ela respondeu que o pastor estava orando e não gostava de ser incomodado. Quando chegasse a hora, ele abriria a porta e, então, poderiam conversar. O profeta estava impaciente. Deu 08:00h, 09:00h, 10:00h. Lá pelas 11:00h o pastor abre a porta e a esposa diz que alguém quer lhe falar. O pastor chama a pessoa que vai logo dizendo: “Tenho um recado de Deus para o senhor…”. O pastor o interrompe: ” Estava falando com Ele agora e tudo que ele tinha para me dizer já disse.”!
Outra grande liderança assembleiana neste Estado não cria em profecias. Costumava dizer, jocosamente, que comia com farinha. Um dia, num culto, uma profeta lhe falou: “Vou te guardar e grande vai ser o alvoroço”. Como de hábito, ele ignorou e fez graça. Ao sair daquele lugar sofreu um grave acidente, vindo a falecer sua esposa. Ele ficou preso nas ferragens, a tempo de alguns que chegaram mais rápido ouvirem: “Perdoa-me, Senhor, agora sei que tu falas através dos teus santos profetas”! E dormiu em paz.
Devemos caminhar entre uma e outra realidade. É a tênue linha possível.