Prezados, a partir do segundo semestre, quando essa pandemia esmorecer um pouco, teremos algumas novas realidades. Um mundo mais amedrontado, consciente de que a globalização não se refere apenas ao trânsito de bens e serviços em escala mundial, mas também à possibilidade de contágio rápido e disseminado de doenças ao redor do globo. Também teremos um mundo mais faminto, mais ansioso, mais carente, mais desigual. Mas o que esse novo semestre reserva para a liderança evangélica nacional?
É um tema que tem retornado ao nosso blog, predominantemente reflexivo. O status corrente é que o pastor era o centro das atenções, tinha lugar cativo na mente, no coração e, principalmente, nos ouvidos dos seus membros. O lugar de onde emanava essa autoridade era o templo. Veio, porém, a nova realidade trazida pelo confinamento e as coisas desandaram. Os cultos, em sua maioria, se resumiram às lives, muitas lives, por sinal, no Facebook, Youtube e Instagram e os templos estão fechados!
Aí começaram as complicações. Primeiro, se assiste a tais transmissões à vontade em casa, segundo, o culto se torna algo distante, fugidio e dissipado, terceiro, o cardápio cresceu, quarto, o pastor perdeu o contato com seus membros, sua referência a partir do púlpito já não se impõe como antes, isto significa, menos controle, quinto, as ofertas e dízimos evaporaram, seja porque não se está presente na Igreja, seja pelas dificuldades econômicas, seja pelo bombardeio teórico contrário, seja pelo contato com desvios financeiros narrados às pampas nos canais. Isso tudo fora outras variáveis, como a evidente falta de traquejo de muitos obreiros, que até então ignoravam o poder das redes sociais.
Então, o público que está confinado foi empurrado abruptamente para um volume de informações nunca visto antes. Não temos nem uma vaga ideia do que isso significará no futuro. Que dizer do confronto com realidades para as quais não estava prestando atenção? É o caso de tios e tias de WhatsApp que ignoravam as lives e agora são ávidos consumidores de vídeo.
E o confronto com algumas realidades sensíveis? Como, por exemplo, que seus líderes restaram impotentes diante da pandemia? Alguns deles até morreram deste mal!? Eu não sou de ontem e sei que a chuva que rega a plantação do justo é a mesma que rega a do injusto (Mt 5:45), mas o discurso vigente era outro. Lembremos que a narrativa triunfalista era amplamente apoiada na maioria das igrejas e até regada com dízimos e ofertas. Agora, muita gente vai ter que ajustar a retórica!
Por falar em dinheiro, acabou a gorda reserva financeira que financiava amplo apoio em determinadas demandas. Em muitos lugares o descontentamento será palpável e não será mais possível dissuadir quem discorde aumentando a prebenda ou comprando um carro novo. Já estou informado de grandes ministérios em plena crise, imagina quando as coisas se acalmarem, mas sem dinheiro!? E eu estou escrevendo no modo otimismo, aquele que trabalha com o confinamento até junho. Se for até dezembro o clima será de terra arrasada. Afinal, mesmo os que ainda dizimam tenderão a não ter mais como fazê-lo!
Outro fator ao qual tantos estão expostos neste confinamento é a qualidade da pregação. O IBGE 2010 informa que existem 921.209 presbiterianos. Jamais um Augustus Nicodemus, com mais de meio milhão de seguidores poderia contá-los apenas entre os seus. É lógico que há entre eles muitos assembleianos! Mormente um público jovem e ávido pelo conhecimento. Detalhe: ele anunciou no dia 25/04 que tinha 500.000 seguidores no Youtube, quatro dias depois tinha ganho outros 5.000!
Muitos assembleianos estão entre os seguidores de Hernandes Dias Lopes, que conta neste momento com nada menos que 631.000 pessoas. Note-se que a Igreja Presbiteriana de Pinheiros, da qual é pastor titular, conta com 469.000 seguidores no Youtube. Nos últimos dias enquanto Augustus crescia no Instagram a uma média de 700 pessoas por dias, Hernandes angariava 1.700! Sob todos os aspectos é um fenômeno de audiência.
E o que isso quer dizer para a liderança evangélica como um todo? Que o padrão que tínhamos até a crise subiu de nível! Aquele abençoado que só falava abobrinhas e conversas fiadas no culto de doutrina, que não dava espaço para a pregação em sua congregação, que não ia à EBD, vai ficar pra trás por não poder acompanhar o ritmo! É como se estivéssemos em uma corrida e, de repente, numa volta qualquer, a maioria dos competidores passasse à nossa frente! E eu só falei dos principais. Todos os pregadores, conferencistas e expositores assembleianos estão nas lives e correndo à nossa volta. E os membros na plateia dos conteúdos assistindo. As comparações no retorno ao templo serão inevitáveis!
Até o louvor subiu de patamar, porque ao invés de ouvir os mesmos hinos os ouvintes diversificaram o repertório. Praticamente todos os canais de música cresceram, em acessos e seguidores. Não se espante se a pressão cair também sobre os maestros e dirigentes de música das diversas igrejas Brasil afora. E não importa se é vocal, coral, conjunto, grupo, banda ou o que for!
Os ministérios podem até comemorar o aumento da audiência em todas as modalidades de redes sociais. Não tanto quanto alardeiam, mas todos cresceram. A ressalva sombria vai para o fato de que poucos canais de igrejas locais se sobressaíram. Isso significa que o padrão será o da sede dessas igrejas. Inalcançável para a maioria das congregações satélites, sem recursos e sem profissionais.
Outro ingrediente é o aumento da leitura, da reflexão e do estudo bíblico. As pessoas ficaram mais reflexivas, especialmente, as que passaram pela doença e outras que perderam seus entes queridos. Leram mais, se instruíram mais, refletiram mais sobre a vida, geraram massa crítica. Interajo com muitas pessoas que leram diversos livros até agora e lerão tantos outros até que essa tempestade se acalme. A tendência é que essa pólvora acumulada repercuta de alguma maneira mais adiante sobre a liderança.
Frente aos desafios que a crise deixará, prevejo que restarão quatro opções à liderança evangélica:
- Reciclar as velhas lideranças – para que possam se adequar aos novos tempos e tomar consciência dos novos paradigmas, com resignação;
- Gerar novas lideranças – com uma nova mentalidade, adaptada a esses novos tempos;
- Administrar o desgaste no longo prazo, sangrando e curando as feridas;
- Assistir à implosão!
Se esse cenário tornar-se realidade o resultado será imprevisível!
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