Estou na internet desde os anos 90. Em 1992 já participava de um grupo BBS* de assuntos bíblicos, além de outros da minha área de trabalho: Tecnologia da Informação. Recebíamos pesadas críticas de ateus, espíritas e diversos outros grupos. Eles se inscreviam somente para nos espinafrar. E nós revidávamos dentro do conhecimento que tínhamos, com toda a civilidade possível. Ainda hoje lembro de histórias memoráveis. Certa vez, um ateu descobriu o nome e o telefone da empresa onde trabalhava, uma transportadora, e exigiu minha demissão por ser evangélico e articular discussões teológicas no BBS. Nada a ver, mas a essência desse pessoal não muda. Quando perde no debate, usam a truculência.
Assisti à morte e o nascimento das grandes redes sociais: MSN, Orkut, Twitter, Facebook, SnapChat, Instagram e por aí vai. Antes só interagíamos em texto, sem acento! Tinha gente que até fazia milagres pegando caracteres e desenhando imagens. Um trabalho incrível. Depois as coisas se sofisticaram e parte do que temos hoje já é história. Uma história de muitas críticas… As redes sociais as potencializaram, elevando ao seu grau máximo. Durante esses anos todos aprendi a distinguir entre as falsas e as verdadeiras. Algumas são gratuitas, outras realistas.
O ser humano gosta de fazer juízo de valor de tudo aquilo que lhe interessa ou com o que interage. Do pãozinho mais quente ou mais torrado, do cafezinho mais forte ou mais fraco. Da falta de leite, da pressa na fila do banco. O mundo tecnológico em que vivemos trouxe algumas variáveis críticas (para usar um trocadilho): a velocidade da informação, a massificação do uso, a promoção da imbecilidade coletiva e a quebra da intimidade. Intimidade esta de pessoas e de organizações. As críticas se apoiaram nestes pilares e se generalizaram.
No mundo corporativo as críticas são valiosas. Há empresas como a Survey e assemelhadas especializadas em ouvir o que o cliente tem a dizer e outras que cobram muito caro para prestar esse serviços às empresas. Muitas corporações dão extremo valor a críticas sobre produtos, qualidade no atendimento e tendências. É dessa massa de críticas, depois de analisada e depurada, que muitos novos produtos surgem. Empresas se reinventam, mudam posicionamentos, redirecionam o atendimento, a partir das críticas feitas em redes sociais e outros canais. Então, a crítica é uma aliada. Pasmem! Existem empresas que só publicam elogios em suas páginas e só perdem clientes desconfiados de seus produtos!
Já no âmbito eclesiástico as críticas são repudiadas. Logo se associam os críticos aos famosos murmuradores do deserto como Datã, Coré e Abirão de Números 16, quando não ao próprio Diabo. Há alguns motivos porque isto acontece:
- O pastor é tido como um representante divino. Logo suas atitudes não devem ser questionadas. Ocorre que as redes sociais se encarregaram de replicar as grandes falhas pastorais em depoimentos, fotos e vídeos: nepotismo, falta de transparência, megalomania, uso de sistemas eclesiásticos para fins pessoais, mania de perseguição, gastos exagerados, pecados de sacristia, desvios teológicos, tornando os pastores vulneráveis. Antes éramos respeitados, porque respeitáveis. Hoje o quadro mudou, mais do que nunca devemos provar nosso respeito com uma vida ilibada em meio ao caos. E com prática, muita prática, porque de teoria o mundo está cheio. Não estamos, portanto, imunes aos respingos e às cobranças, é o ônus de pastorear. Infelizmente, muitos querem apenas o bônus;
- Subentende-se que a Igreja nunca falha e quando falha, não foi por má vontade. Por conveniência ou má fé, as pessoas esquecem que há duas igrejas: a espiritual e a institucional. Como instituição a igreja falha. E falha muito! Muito mais do que deveria. As denominações são falhas desde seu nascedouro, guiadas por homens falíveis. Algumas replicam os erros de seus líderes, outras criam novos erros, ainda outras melhoram erros antigos. A própria Igreja Católica é o exemplo acabado disso. Curiosamente, tanto igrejas quanto pastores saboreiam os elogios. As críticas a favor!
- Estamos acostumados a falar do púlpito. De lá há pouca opinião discordante. Podemos até ser procurados por um ou outro mais afobado, mas, via de regra, todos levam suas discordâncias pra casa. Na internet é diferente. As pessoas podem nos criticar, concordar, enfatizar, complementar. E muitas vezes as críticas são feitas em real time. Isso desarranja a cabeça de muitas pessoas. Diz um ditado popular que de perto ninguém é normal. A internet aproxima o ponto de vista das pessoas. Isso traz enormes problemas com quem está acostumado com as argumentações a favor;
- Gostamos da concordância. Isso! Por mais que duvidemos, gostamos das pessoas que concordam conosco. Tendemos a repelir a discordância. Mas é ela que muitas vezes vai nos poupar das contrariedades futuras. Nelson Rodrigues, um dos grandes cronistas brasileiros, dizia que a unanimidade é burra. Tomada em sentido genérico não concordaríamos com a afirmativa, mas analisada friamente nos faria refletir sobre a verdade que contém. Deveríamos desconfiar quando todos concordam conosco, exceto naqueles pontos fundamentais da fé. Especialmente, os não baseados na nossa cosmovisão denominacional.
Precisamos compreender que a Igreja não está imune às críticas. Pelo contrário, elas têm seu valor estratégico para o crescimento e para a tomada de decisões. Podem mostrar aspectos que precisam ser melhorados e a liderança não está enxergando no momento. Aliás, não conviver razoavelmente com elas significa falta de maturidade espiritual. Já vi pastores, por exemplo, encerrarem perfis em redes sociais por conta de críticas bem fundamentadas. É o caso do lançamento da famosa Bíblia Dake. Na ocasião muitos luminares bloquearam perfis que exigiam retratação da editora. E outros, simplesmente, os desativaram.
É claro que existe a murmuração, a crítica infundada, o preconceito, a ignorância. Isso acontece desde que o mundo existe. Mas o bom gestor deve aprender com o próprio Deus. Lembremos, por exemplo, o episódio de Abraão em Gênesis 15. Mal o Senhor havia lhe feito suas promessas e o patriarca retruca: “Que me hás de dar? Ando sem filhos e o herdeiro da minha casa é um estrangeiro, o damasceno Eliezer?”
O quêêê? Depois de ser preservado da idolatria, da fome, dos ladrões, do deserto? Depois de enriquecido? Sim, depois de tudo isso, Abraão se mostrava “ingrato”. Deus não se deu por rogado, mas confortou seu coração fazendo novas e maravilhosas promessas. Agora imagine a mesma cena com um pastor moderno? Aquele subordinado seria, talvez, desterrado e destituído de suas funções por não demonstrar gratidão!
Outro modelo, Jesus, também nos mostrou grandes lições de convivência com a crítica. Nunca o vemos refestelar-se em sua condição de Filho de Deus. Ou não reconhecer a justiça de alguma proposição. Quando lhe exigiram o tributo, por exemplo, ele pagou com um milagre. Sempre retrucava com maestria a ponto de desconcertar seus interlocutores. Nada de: “Que é que é isso? Você sabe com quem está falando? Você conhece a minha história? Sabe o que eu já fiz pela obra do Senhor?”. Esse tipo de histrionismo perde cada vez mais lugar no mundo em que vivemos.
Precisamos compreender o valor da crítica sincera. Para usar um termo moderno, o mimimi de muitos líderes quer apenas embotar suas falhas pessoais ou administrativas. Ou aprendemos a conviver com as críticas e tirar proveito delas, mudando ocasional e necessariamente algumas posturas, ou ficaremos falando sozinhos. Precisamos mudar e rápido. Nosso tempo exige pressa. E quem está na chuva é para se molhar!
*Bulletin board system, chat de conversação on-line cujas mensagens ficam gravadas e podem ser comentadas pelos demais participantes
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