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Pastoras: as ironias do texto bíblico!

Pastoras as ironias do texto bíblico

Prezados 300 leitores, alguns de vocês devem estar acompanhando os acalorados debates sobre a pertinência ou não do pastorado feminino. Visto que a futura CADB – Convenção das Assembleias de Deus no Brasil, dissidência da CGADB – Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, pretende consagrar pastoras a questão tomou relevância. E tornou-se um grande foco de questionamentos. Não desejo defender a nova convenção. Por lá há gente grande pra fazer isso. Minha preocupação é outra…

Em princípio sou contrário, porque já há tantos problemas com os quais se debate a AD que parecem não ter fim, eu poderia escrever um livro inteiro antes de chegar a este item. Acrescentá-lo vai trazer mais celeuma e discordâncias desnecessárias. A minha insistência no tema se deve a outro fator: a absoluta desonestidade intelectual com a interpretação bíblica, por parte daqueles contrários à ordenação de mulheres. Distorcem textos, inferem conclusões a partir de passagens do Velho Testamento, abusam dos preconceitos (no sentido estrito do termo: “pré” conceito, ter um conceito arraigado sobre…), estereotipam, fazem todas as ginásticas possíveis para provar seus argumentos.

Já fizemos aqui várias colocações a respeito. E não o fiz ao sabor dos fatos. Quem nos acompanha sabe que é uma tecla que bato desde o início do blog em 2006. Lá se vão onze anos. Como um dos meus defeitos é a insistência naquilo que acredito e não ter meias palavras para expressar o que sinto, retorno ao tema para analisar um dos argumentos mais repetido: o literalista semântico. Infelizmente, não poderei me alongar muito.

Aqui e ali, leio que o termo pastora não existe na Bíblia, a não ser com referência a Raquel (Gênesis 29:9). Isto é fato. Mas vão além. Os mais açodados afirmam: “Vejam o que o texto diz em Efésios 4:11: Ele mesmo deu uns para… pastores…”, ali não tem pastora. Dizem que um bom recurso é fazer o interlocutor provar do próprio veneno. Pois bem, tomemos a passagem, aliás, única onde ocorre o termo poimenas, pastor (sim, só há uma ocorrência do termo em relação à função na Igreja em todo o NT), com alguns destaques iniciais:

   1) E ele mesmo deu (Ele quem? Jesus!)
   2) uns para apóstolos, 
   3) e outros para profetas, 
   4) e outros para evangelistas, 
   5) e outros para pastores 
   6) e doutores,
   7) (Com qual objetivo?) Querendo o aperfeiçoamento dos santos, 
   8) para a obra do ministério (Ministério?), 
   9) para edificação do corpo de Cristo
   Efésios 4:11,12

Para que possamos fazer uma breve análise exegética transcrevemos os dois versículos em grego:

Efésios 4:11 – Original grego

Efésios 4:12 – Original grego

Dê uma olhada nos textos, veja que destaquei algumas palavras com um sublinhado vermelho. O que elas tem em comum? Estão todas no masculino, seja no singular ou plural. Todas! Um apressado concluirá: Confere com a colocação predominante. Deus só chamou pastores! Mas retornemos ao texto…

Costumamos dar hierarquia às palavras, especialmente aos títulos. Note a sequência que repito para você não ter que voltar ao texto lá atrás: 1) apóstolos 2) profetas 3) evangelistas 4) pastores 6) doutores ou mestres (no original, didaskalos, professores).

Temos um primeiro problema. Na estrutura de autoridade da igreja moderna, que obviamente não reflete os cargos do texto em sua necessidade funcional, pastor é o que há de mais elevado. Ainda que a maioria das ADs tenham um pastor presidente, ele não deixa de ser um… pastor! Só que o texto inverte um pouco as coisas. Apóstolos já não temos, não como no NT. Mas, por que cargas d’água profetas estariam adiante de evangelistas e pastores, até mesmo que mestres?

Hierarquia das funções em Efésios 4:11

O segundo problema é que não há dúvidas que mulheres são e foram usadas como profetas na Igreja! Afinal pra que o Espírito Santo as encheria em Atos 2, se não para usá-las em todos seus dons, conforme sua vontade. Isto traz um problema adicional: os termos estão todos no masculino. Pela ótica daqueles que dizem que não há pastoras aí, o que é verdade, jamais teríamos profetisas, pois só há profetas no masculino! Ou vamos mudar o raciocínio?

Para adensar um pouco as coisas o termo profetisa só ocorre duas vezes no NT grego, em Lucas 2:36 e Apocalipse 2:20. A primeira se refere a Ana, portanto, uma mulher do velho pacto, ainda que sobrevivente no novo, se é que me entendem. A segunda Jezabel, símbolo da igreja caída. Claro, existem as quatro filhas de Felipe, em Atos 2:9, que profetizavam, apesar de o texto não fazer referência a se tinham essa função na Igreja Primitiva ou não.

Como as coisas podem piorar um pouco vamos dar um pulo na lista dos dons de I Coríntios 12:8, inclusive profetizar. Sabem o que há por lá? Todos os pronomes (a um, a outro) estão no masculino. Daria Deus seus dons somente aos homens? Pela lógica dos contrários, já que não há menção a mulheres, logo todos os dons restariam restritos ao sexo masculino.

Agora que seus neurônios estão fervendo, procurando uma saída, retorne uma vez mais a Efésios 4:11. Que última palavra temos aí? Didaskálos! Será que não temos mestres mulheres na Igreja? Será que uma Barbara Friberg, co-autora do Novo Testamento Grego Analítico, utilizado por 10 em cada 10 seminaristas que estudam a língua de Homero não se encaixa no perfil? Aliás, as mulheres são pródigas na área de filologia. Aqui mesmo já retratamos uma missionária brasileira que criou um dicionário para uma língua oral de um tribo e os evangelizou, os jarawaras*. E há diversas iniciativas semelhantes mundo afora encabeçadas ou auxiliadas por elas.

Novo Testamento Grego Analítico

O que dizer do imenso contingente de irmãs que militam em nossos seminários? Das que ensinam nas EBDs? Das que se dedicam a ensinar crianças? Pode não significar muito para a maioria, mas elas estão cuidando das sementinhas que crescerão e darão frutos. Para todos os efeitos são mestres, ao menos no sentido genérico do termo. E se levarmos em conta os milhares de estudos nos quais são preletoras e livros que escrevem aí é que perdemos a noção.

Note que fiz questão de inserir Efésios 4:12, para falar da finalidade de tais funções na Igreja. Paulo afirma com todas as letras que é para o aperfeiçoamento dos santos, no masculino. Ora só os homens serão aperfeiçoados? Certamente que não!

A última pá está na lista dos chamados dons ministeriais. Ela está em I Coríntios 12:28: “E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas”. A pirâmide muda um pouquinho:

Hierarquia das funções em I Coríntios 12_28

O que temos aí? Primeiro, que os profetas eram tidos na mais alta conta (Barclay lembra, citando o Didaquê, que podiam até mesmo alterar a liturgia de um culto nos dias da Igreja Primitiva). Aparecem em segundo lugar, a mesma posição da hierarquia de Efésios 4:11. Segundo, não aparecem os pastores (era apenas função?). Terceiro, exceto, obviamente, pelos apóstolos e, com alguma concessão, governos, em todos os outros níveis temos mulheres exercendo tais funções em nossas igrejas. E… TODOS os cargos estão no masculino! Chegamos assim ao crachá. Fazer tudo que o homem faz podem, só não portar o tal objeto!

Esse tipo argumento se torna mais risível ainda ao sabermos que até o termo discípula resta comprometido, visto que só existe uma única referência a ele em todo o NT, em Atos 9:36. A ser seguido o raciocínio implicaria dizer que quando Jesus disse: “Ide e fazei discípulos… (Mateus 28:19)” só se referiu a discípulos do sexo masculino.

Com a palavra os contrários à ordenação!

Leia aqui e aqui no blog sobre as falácias da ordenação feminina.

Leia sobre os Jarawara no link abaixo

 

 

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