Prezados 100 leitores, analisemos uma das manifestações mais antigas do ser humano. Por ele e para ele muito se matou, destruiu, reconstruiu, relacionamentos foram destruídos, coisas velhas e novas se formaram. O poder! Palavra pequena de cinco letras, com conotações as mais imprevisíveis. Ente perigoso da nossa existência, nos enreda e envolve. Precisamos falar do assunto! Mas o blog pretende uma abordagem periférica: alguns de seus perigos!
1. Fome
Não há uma gradação nos perigos elencados aqui, não é essa a intenção, mas é inevitável pensarmos em poder como um apetite insaciável. Quanto mais temos, mais queremos. Ninguém está satisfeito com o poder que tem. Queremos influenciar cada vez mais. Esquecemos como comida de mais mata!
Esse apetite resta muito claro no mundo político, de manifestação do poder por excelência, onde pessoas influentes não se aquietam. Só para citar o exemplo mais recente, Lula do alto de três mandatos (um de deputado federal e dois de presidente) e tantas tentativas anteriores, fora os inúmeros anos em que presidiu sindicatos, quer ser candidato em 2018. Só não o fará se Sérgio Moro impedi-lo a tempo. Ninguém me convença que Lula quer fazer algo que não esteve a seu alcance. É apenas o exercício de poder que lhe fascina. Já li em algum lugar que até decisões sobre candidaturas de vereadores em grandes cidades passam por seu crivo. Uma loucura!
O mesmo se dá no âmbito eclesiástico. Não ocorre, por exemplo, a muitos pastores já idosos aposentar-se. Travestida do desejo de fazer a obra do Senhor está a fome pelo poder. Para fins práticos podemos dar uma olhada nos estatutos de algumas igrejas e ver como o poder impregna as colocações ali. Incrivelmente, é o mundo secular que vem dando um caldo em muitas igrejas.
Matéria do jornal O Globo, por exemplo, informa que o presidente do Itaú, com o banco no auge do lucro, está passando o bastão aos 62 anos. Por força do estatuto ele já deveria ter saído aos 60, mas houve uma alteração sugerida pelo board para que ficasse esses dois anos. Interessante é a transição: “— A escolha do Candido (o novo presidente) foi muito natural e por consenso. Não houve dúvida, pela experiência, senioridade, pelo alinhamento com nossos valores e cultura — disse Setúbal (o presidente que sai)”. Se parece com algumas igrejas?
2. Embriaguez
O poder embriaga e enebria. Como notívagos bêbados, nos faz perder o sono e transitar por lugares arriscados e improváveis. Mas há outros problemas. A bebida entorpece os sentidos e cria um ciclo. Primeiro, um copo, depois dois, em seguida a garrafa, por fim a adega. Até que estejamos escravizados por ela. Embriagados perdermos o senso, as prioridades, a noção de tempo, de urgência. Depois vem os entes queridos, os relacionamentos, até que nos reste ou a solidão ou a companhia de outros bêbados.
No outro dia, ressacados, os bêbados se conduzem a uma nova rodada. Até que suas entranhas sejam carcomidas, a despeito de diagnósticos médicos e pedidos insistentes de parentes e amigos. A embriaguez nos conduz a quadros de mania de perseguição, perda de memória remota e recente, degeneração dos argumentos, alheamento social e tantos outros males. Os psiquiatras dizem até que álcool abre a porta para outras drogas. Não duvidem!
3. Cegueira
O poder cega e embrutece. Como seres humanos sentimos o impulso de exercê-lo, não nos contentamos com nossos mundos escuros. Cegos nos tornamos inconsequentes e, muitas vezes, guiados por outros cegos caímos em barrancos inverossímeis. Um dos efeitos da cegueira é a insegurança. Todos são inimigos. Todos são amigos. Não confiamos em ninguém e, ao mesmo tempo, tendemos a confiar em qualquer pessoa. Nos abandonamos aos bons e aos maus.
Nos cegamos, por exemplo, para o que auxiliares fazem. Para o dinheiro que desviam. Para a conduta deshonrosa que levam. É o que aconteceu à presidente da Coreia do Sul, Park Geun-Hye. Eleita recentemente, confiou numa amiga que lhe parecia boa pessoa, mas na verdade usava seu nome e influência para transitar entre empresários e doações suspeitas. A população foi às ruas e pede sua renúncia. Ela teve de admitir publicamente estar cega para as atitudes da amiga. Quem nunca viu esse filme em alguma igreja?
4. Bajulação
A bajulação é filha da cegueira. Li em algum lugar que um dos césares tinha um auxiliar somente para repetir ao seu ouvido: “Você não é Deus!”. Infelizmente, o bajulador segue caminho oposto. Enfatiza uma lealdade aparente, inflaciona nossas virtudes, minimiza nossos defeitos, enreda o ouvinte em palavras e retórica. Quando e se o castelo ruir será o primeiro a sair de fininho, como os ratos que abandonam o navio ao primeiro sinal de naufrágio.
A bajulação é uma injeção entorpecente. Nos faz alhear de dores necessárias, ganhar amizades de conveniência, nos torna reféns de falsos ouvidos. Por outro lado, o bajulador é, via de regra, incompetente. Disfarça isso com a mímica da bajulação. É um ilusionista. Estejamos alertas!
5. Avareza
Não há nicho de poder que não esteja atrelado à dinheiro ou vantagem. Quando só havia escambo já havia a avareza proporcionada pelo poder. Assim como este, o perigo da avareza se traduz no ditado popular: “A medida do ter nunca se enche”. O avaro não mede esforços para satisfazer sua volúpia. O obreiro Judas (que ninguém venha me dizer que ele não foi escolhido por Jesus) traiu seu próprio Mestre no afã de conquistar algum dinheiro. Quantas igrejas não se abrem e ministérios racham em torno de disputas sobre a arrecadação?
Jesus advertiu seus seguidores: “Não ajunteis tesouros na Terra” (Mateus 6:19, 20). Paulo admoestou seu filho na fé, Timóteo: “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (I Timóteo 6:10). Mas, quem quer por em prática estas palavras? Quanta dor não houve e não há por causa de dinheiro? Em tempos de exposição midiática, quantos episódios desta natureza não revelaram este grande perigo?
Infelizmente, a maioria das denúncia sobre dinheiro nas igrejas é verdadeira. O poder dá a falsa sensação de que o dinheiro alheio é nosso. Nosso orçamento abarca o orçamento da Igreja, mais que isso está à nossa disposição. Até que muitos são pilhados com a boca na botija!
6. Autossuficiência
O exercício do poder endurece nossa cerviz. Nos achamos onipotentes. Podemos massacrar ou engradecer quem quisermos. Aprendemos a não depender de outros, muitas vezes até de Deus. As palavras mudam o sentido. As escolhas seguem nossa estratégia infalível. Até que Deus afunda nossos navios. Quem não lembra das naus de Salomão em Ezion-Geber (IReis 9:26)? Foram feitas pelos peritos de Hirão, rei de Tiro, com o dinheiro de Salomão e a melhor madeira do Líbano. Só tinha um problema: autossuficiência!
No âmbito da autossuficiência pensamos que o poder é nosso. Não, não é, é ilusão. Somos atores temporais do poder. Assim como nós ele passa. Quem hoje manda, amanhã não manda mais. A única certeza, no poder também, é a mudança! É quando o poder muda de mãos que percebemos que não somos nada.
A autossuficiência costuma dar à luz a trigêmeos: soberba, arrogância e orgulho. São crianças perigosas e travessas. Covardes o suficiente para nos abandonar abatidos e desnorteados, quando não sozinhos, descobrindo nossa humanidade impotente.
7. Ira
Não basta desterrar um desafeto no exercício do poder, queremos exterminá-lo. No nosso furor, muitas vezes atribuído ao próprio Deus mas que é pura carne vã, queremos enviar raios e trovões e destruí-lo. No final do capítulo 9 do evangelho de Lucas há uma história interessante. Os discípulos queriam fulminar com raios uma aldeia de samaritanos que não os recebera. Jesus, conhecendo como ninguém os perigos do exercício do poder, lhes repreendeu: “Vós não sabeis de que espírito sois!” (Lucas 9:55).
Há duas advertências interessantes entre tantas outras na Bíblia sobre este assunto. A primeira é o pedido do profeta para que Deus na sua ira lembre da misericórdia (Habacuque 3:2). Ele percebia que a ira é destruidora e pedia clemência. A segunda não se ponha o sol sobre a vossa ira (Efésios 4:26). Quem leva a ira pra casa, dorme com ela.
O poder pode ser o exercício da sabedoria, da inteligência, da criatividade, estratégia ou espiritualidade. Esse é o problema com o poder: ele é uma ferramenta! Como uma faca pode ser usada tanto para preparar um bom bife, quanto para matar, assim o poder tanto ajuda, quanto prejudica. Deus tenha misericórdia de nós!
Link para a matéria do Itaú
Link aqui para a crise na Coreia do Sul