Os perigos da banalização do pastorado
A banalização do pastorado tem trazido sérias consequências para a Igreja evangélica brasileira. Ou tomamos uma iniciativa ou as coisas podem se complicar!
João Mecenas, 50 anos, era membro de uma igreja no interior do Amazonas. Incomodado com os desmandos da administração eclesiástica local, obedeceu a um chamado e derramou sobre si um pequeno frasco de azeite comprado como souvenir numa lojinha de produtos evangélicos, enquanto repetiu sete vezes: “Eu te consagro em nome do Pai, do filho e de seu Santo Espírito. Amém!” Entrou naquele quarto membro e saiu pastor! Ora, raciocinou, se a Paulo não ocorreu consultar nem carne, nem sangue, para ser apóstolo, por que não ele para o pastorado? Redigiu um diploma com alguns erros de português no computador da sala, imprimiu, mandou emoldurar e o resto é história.
Com Mário Midiático, 42, aconteceu diferente. Ele usava ternos brilhantes e sapatos galáticos. Era convidado. Agenda cheia. Umas igrejas pequenas, outras grandes templos! Pra quem havia se especializado em chavões, não dava pra reclamar do cachê. Juntando tudo ao final do mês era melhor que o salário de segurança do apito. Nada contra os seguranças do apito, mas a vida de Mário havia mudado da água pro vinho. Já havia até se dado ao luxo de comprar uns relógios dourados de gosto duvidoso e bem caros. Andava de Uno, 2015, mas já consultava outro carro do ano.
Só havia um problema: Mário não era pastor, o chamavam de conferencista. Um amigo pastor lhe segredou: “Qualquer hora resolvemos este problema!” Problema? Certo dia, de surpresa, o amigo anunciou: “Hoje é uma cerimônia especial!”, pigarreou e emendou: “Estamos consagrando ao pastorado o conferencista Mário Midiático! De agora em diante ele vai andar com uma carteirinha do nosso ministério e vai ganhar prebenda fixa!” A congregação foi ao delírio. Os sonhos de Deus estavam se cumprindo na vida de Mário. Sonhos? De Deus? Ora, às favas com a semântica! Nem a esposa, em quem batia com regularidade, fora consultada!
Emerlindo Bola Cheia, 30, gostava de falar. Em qualquer lugar. Não se importava muito com suas premissas, chegava sempre a conclusões que favoreciam seu ponto de vista. Havia feito um bacharelado em Teologia por correspondência, seis meses antes, e não suportava ouvir as palavras simples de seu professor de EBD. Resmungava consigo: “Um dia dou um basta!”.
Agora ostentava um diploma na parede. Mal o pastor da congregação entrava no templo, Emerlindo disparava em glórias, competindo com os demais sobre quem falava mais alto. Às vezes, até forjava umas línguas estranhas. A intenção era essa mesmo: chamar a atenção! Até que chegou a fase de consagrações do seu ministério. E Bola Cheia passou batido. E as promessas? Ora, se Deus não cumpre o que promete nós damos uma forcinha. Convenceu quinze pessoas a segui-lo. Alugaram um pequeno galpão e numa cerimônia simples, mas concorrida, fundaram a Igreja Pentecostal Cristo é Mais. De quebra, consagraram o jovem teólogo ao pastorado.
Já no Ministério MPC – Medo é Pros Covardes estava havendo uma revolução. O filho do presidente estava implantando um modelo novo de gestão. O menino era criativo. Havia feito a receita dobrar em pouco tempo. Implantou um novo sistema de gestão, copiado de algo que vira no Exterior. Auxiliado por um coach, criou uma nova logomarca e fez com que os pastores antigos passassem por um treinamento. Com quem? Ele mesmo, Joãozinho Engomadinho!
Antes da viagem Joãozinho, que era casado, havia enviado umas mensagens via WhatsApp para uma menina bonita da igreja, a quem presenteara com um relógio Cartier. Ela ameaçou denunciar. Foi um escândalo. O pai, ciente do chamado do garoto, atribuiu imediatamente ao Diabo a ameaça. “Esta moça está sendo usada pelo cão! Joãozinho é um bom menino e bem casado. Querem destruir uma trajetória tradicional da minha família…”, disse choramingando na reunião de ministros. Pra esfriar as coisas João pai, havia enviado João filho e sua esposa para um sabático. Daí vem a explicação para o novo fôlego de Joãozinho.
Mas, o melhor de Deus ainda estava por vir. No embalo da apresentação da nova visão do ministério, Joãozinho foi consagrado pastor e, automaticamente, elevado à condição de vice-presidente. Ele chorava como criança: “Tive muitos sonhos sendo colocado pra sentar num trono menor ao lado de um grande trono! Na época não entendia, mas agora as coisas fazem sentido!”
Com Odacy de Paula acontecia outra coisa. É que por anos fora presidente da Convenção Estadual. Um conglomerado de 200 igrejas. Por força da Lei 10.406, que em seus artigos 53 a 59 dava poderes aos membros ministros que propusessem quem administraria a entidade, ele se viu forçado a realizar uma eleição. Os concorrentes açodados eram Manoel Carismático e Túlio Mão Pesada.
O primeiro era uma verdadeiro Absalão. O personagem pretendia o trono de Israel e ficava ao portão do palácio. A cada pessoa não atendida pelo rei ele se inteirava da questão e arrematava: “Quem dera houvesse quem lhe ouvisse…”. Nessa brincadeira conquistou a atenção de muitos e quase destrona Davi. Manoel procedia de modo parecido. Já Túlio percebeu que a mensagem com ênfase nos usos e costumes da denominação encontrava grande eco. Sempre que podia bradava contra as novidades apoiadas por Odacy, que, percebendo o risco, manobrou o estatuto e regimento interno de modo casuístico a seu favor.
Um ministro amigo ocultou a tramoia ao relembrar um acidente espiritual de Manoel, ocorrido dez anos atrás, como impedimento para sua candidatura. Já Túlio ficou de fora da disputa num mal entendido sobre a inscrição. É que haviam, espertamente, estabelecido o limite do prazo para um feriado. Ocasião em que não havia ninguém para recepcionar a ficha dele. Resultado: Odacy foi reconduzido por ampla maioria e ainda agradeceu a quase unanimidade. A solenidade foi descrita no jornal da denominação como calorosa, fraternal e amável.
Silva Câmara anunciou que naquele ano eleitoral a Igreja faria algo diferente. Não lançaria candidato. Ele mesmo seria o… candidato! “Como fica a direção da Igreja?” Alguém lembrou de perguntar. Silva devolveu: “Os filisteus já estão com raiva!”. Daí em diante os dias se passam e a campanha fica mais agressiva. Silva já não doutrinava, seus assuntos sempre resvalavam na política. Ia a todos os eventos com os quais se desacostumara com o passar dos anos. Abraçava efusivamente e não perdia a oportunidade de divulgar seu número. Até destacou uma equipe de jovens para entregar santinhos na saída dos cultos. Ele sabia que era ilegal, mas o que há de ser uma lei ou outra?
Feita a contagem de votos, porém, Silva obteve apenas 300 sufrágios. Naquela mesma noite a mensagem foi dura. A igreja apanhou verbalmente a não mais poder. Foram comparados a Datã, Coré, Abirão, Adonias, Absalão, Judas. Foram chamados de covardes, traidores e outros adjetivos inomináveis. Para demonstrar sua disposição Silva já anunciou que na próxima quer ser eleito!
Enquanto estas histórias (cujos nomes e circunstâncias foram trocados), que poderiam ser só folclore, se desenrolam em algum lugar deste País é hora de pensar no pastorado. Infelizmente, ele tem sido banalizado e isso é extremamente perigoso para nós. Impossível não fazer um paralelo com a situação do STF que, enquanto clama por respeito, envergonha os brasileiros. Mas, assim como não é bom um Supremo que nos faz vergonha, é triste ver a banalização do pastorado.
Como pastor lamento todos os dias por acontecimentos, como os narrados acima, que desmerecem a ação pastoral. Há homens sérios neste Brasil, chamados por Deus para sua obra, que fazem trabalhos fantásticos e há os pilantras. É urgente a própria congregação começar a distingui-los. Grandes ministérios precisam depurar seus quadros e melhorar suas práticas, sob pena de todos, honestos ou não, pagarmos um alto preço.
Precisamos relembrar que o pastorado é um chamado divino. Ninguém deveria ser consagrado porque amigo ou parente de outro pastor, pelo que possui, pelo volume do dízimo, porque bajula. Pasmem! Nem porque é crente. Um chamado não é para todos! Também não precisamos encastelar o pastorado, no Novo Testamento é muito mais função do que cargo. O que precisamos é encarar o assunto com a seriedade que merece!
Algum tempo atrás, o então presidente filipino Rodrigo Duterte, encorajou seus compatriotas a matar bispos católicos. Segundo ele, “não servem pra nada”, “são hipócritas, pois 90% são gays”. Descontada a histeria, de fato, quando bispos estão numa condição de contradição são execráveis. Vale lembrar que 85% dos filipinos são católicos.
Ainda não somos caçados, mas, a depender de histórias tristes como as narradas, em cujos roteiros só mudam os personagens e os locais, não está longe esse dia. E não, não é o Diabo o culpado. Mas a leniência com o padrão ético exigido para tão importante missão.
Tá aí mais uma razão,que tem feito os índices de suicídios entre pastores,só aumentarem! São muitos neófitos,querendo assumir um cargo pelo qual nunca tiveram o chamado Divino!