Prezados leitores, tentamos fazer uma retrospectiva ao longo dos últimos seis anos. Seria burrice abarcar todos os assuntos, acontece tanta coisa no mundo evangélico todos os dias que nem a internet dá conta. Somados os posts em blogs e redes sociais, notícias, vídeos, histórias, historietas, nem uma equipe do tamanho da maior revista nacional daria conta.
O que fazemos aqui é resumir as notícias e harmonizar com os demais anos, para que o leitor chegue ou não à conclusão que nada há novo debaixo do sol! Procuramos fazê-lo de forma isenta, isto não impede nossa opinião sobre os assuntos abordados. Como dissemos em 2017, seguimos um viés assembleiano porque é nesta denominação que militamos na causa do Mestre. Vamos lá?
1) A bajulação sobreviveu a 2018
Infelizmente, é um assunto recorrente. Como esse ano houve eleições e muitas igrejas apresentaram seus candidatos não faltou quem bajulasse os indicados. Nas igrejas em que os próprios presidentes foram candidatos a coisas tomou ares de idolatria. O que dizer do uso indiscriminado da Bíblia para prever vitórias e derrotas? Ou do púlpito para desancar desafetos?
2) O desfoque do que é missão
Continua a falsa impressão de que a Igreja faz missão. As pessoas esquecem que ela é a missão! E isso muda totalmente o foco e o que temos aprendido até agora. Como já dissemos, todas as expressões espirituais e materiais da Igreja na Terra, que reflitam a glória de Cristo, são facetas de uma mesma… missão! A Igreja não vive em compartimentos estanques. E se vive, não está fazendo a missão, se é que me entendem, mas servindo a interesses outros.
Por falar em missões, este ano terminou com a incerteza sobre um dos eventos mais vistosos para a AD: os Gideões Missionários da Última Hora. A entidade se viu às voltas com denúncias e crises de liderança e arrecadação e, por fim, seu presidente atual renunciou. Somente o tempo dirá se o evento permanece como está, se muda ou se vai ser extinto.
Por fim, neste tópico, lembremos das mais de 100 etnias que hoje estão no Brasil. São pessoas de países nos quais é impossível serem alcançados em sua maioria. Mas estão aqui bem perto. Desde os haitianos e seu creoule até os coreanos e refugiados árabes. Poucas igrejas brasileiras tem se interessado em estudar suas línguas e costumes e atuar efetivamente nos meio desses grupos anunciando a Cristo.
Pernambuco, por exemplo, recebeu uma grande quantidade de venezuelanos durante 2018, mas não há nenhuma iniciativa conhecida e articulada para evangelizar os imigrantes recém chegados. Nenhuma literatura em espanhol ou castelhano, nenhum curso para criar pontes, nenhuma iniciativa social, nada!
3) Resiste a teimosia em pregar sem um sermão. As transmissões ao vivo testemunharam as desconexões entre as ideias, a falta de articulação entre texto e contexto, os lapsos de conteúdo e por aí vai. Estudar sobre o homilética o pessoal até estuda, já colocar em prática…
Continua a ênfase sobre o Novo Testamento. A proporção de Novo Testamento nos 52 domingos de um ano permanece enorme em relação ao Antigo Testamento. Minha teoria particular é que dá muito mais trabalho pregar em Jeremias ou Isaías. Mas há grandes tesouros no Velho Testamento, o problema é que exige muito mais do minerador para expor suas boas pérolas. Como preguicite aguda é a doença principal dos pregadores fica difícil alterar o panorama.
4) A intensa repetição de hinos nos cultos se manteve
Os orgãos se sucedem mas o hinário continua o mesmo. E a ladainha monocórdica também! “Além do rio azul” tem 27 anos de estrada e ainda é repetido à exaustão! Não mudou também a tendência de ressaltar uma ou outra voz, pondo-lhe um microfone adiante. É grupo ou pessoa? Ainda não chegamos a um consenso. Nada contra os solos, tudo contra os solistas que se apropriam do microfone contra nossos ouvidos, contra o grupo do qual faz parte. É uma exibição patética de egoísmo aplaudida e incentivada por muitos maestros!
Permaneceu ao longo de 2018 a tendência dos hinos sem muitas estrofes. As frases são repetidas exaustivamente, como se fossem um mantra. Se faz sucesso lá fora com os Hillsongs da vida, por que não aqui?
2018 assistiu à queda de um dos grandes nomes da música gospel que animava congressos de jovens e outros eventos. Algumas fotos comprometedoras foram reveladas e os convites minguaram.
Outra novidade que se consolidou no campo da música foi a participação dos cantores nos chamados vigilhões. Eventos de gosto duvidoso onde mais se canta, que se ora, a noite toda. Virou moda convidá-los às pampas. Eles vão cantam e dão no pé. Bom que se diga, nada contra os cantores sérios, mas já passou da hora de aplicar os mesmos critérios dos pregadores aos cantores.
5) Pipocaram as denúncias e escândalos
O problema é que qualquer um com um reles smartphone no bolso, grava e filma tudo. Daí o estrago está feito. Em ano político o principal alvo foram as denúncias de uso político da Igreja para a promoção de candidaturas. Por toda parte houve autuações do Ministério Público e Tribunais Regionais Eleitorais.
Mas não faltaram denúncias de outras naturezas. No Sul/Sudeste estivemos às voltas com problemas de gestão. Saídas de pastores agora são acompanhadas no Youtube, Facebook e Instagram. No Nordeste tivemos grandes Convenções até com ações judiciais decorrentes de denúncias. Grandes canais se encarregam de centralizar áudios e vídeos e estão disponíveis 24h. Esse é outro ingrediente complicado. A informação está disponível a qualquer um, em qualquer tempo.
Se aguçou a percepção de crise no pastorado. Até bem pouco tempo a maioria dos membros achavam seu pastor perfeito e intocável e para muitos ele nem pecava. Hoje essa percepção é mínima. O problema é que o contingente de pastores sérios diminui a cada dia e a membresia se ressente dos grandes líderes do passado. O próprio pastorado restou banalizado, com as consagrações sob encomenda, para atender os caprichos e devaneios desta ou daquela liderança.
Então, havia aquele receio de divulgar balanços incoerentes, superfaturamento, compras suspeitas, gestão financeira leniente, nepotismo e tantos outros males que nos assolam. Hoje isto acabou e vamos ter de nos acostumar a esta nova realidade, aprendendo a conviver com ela. Com a tecnologia cada vez mais onipresente o horizonte só tende a piorar.
6) Tivemos mais um ano de galardões recebidos
Nunca antes na História do mundo tantas ações foram propagandeadas não para glorificar a Deus, mas ao homem, ao nome de uma igreja ou ministério. Como dissemos ano passado, alguns casos são bons exemplos de atuação institucional, noutros foi tudo canalizado para o nome de uma liderança e Jesus ficou numa nota de rodapé.
Ofertas, evangelismo, visitas a enfermos, conversões, doações, ações sociais vai pro Facebook e Instagram! Ouso repetir uma frase do ano passado: Os galardões celestes foram poupados, porque já se recebeu na Terra o que só receberíamos na eternidade.
6) A tentação megalomaníaca não diminuiu em 2018. Quanto maior, melhor: templos, orgãos, eventos. Tudo e todos do mesmo jeito Brasil afora. Se, por exemplo, a quantidade de decisões por Cristo fosse proporcional à de fotos de eventos postadas neste espaço virtual, o Brasil todo já seria evangélico! Os chamados centenários não se fizeram de rogados e todo mundo fez questão de divulgar suas comemorações. Ao vivo, a cores, em telões, muitos telões.
Os coaches proliferaram. Uma nova visão, uma nova unção, uma nova estratégia. Tudo para fazer diferente mais do mesmo. Se tem um nome novo deve funcionar, raciocinam. Eu já vi esse filme tantas vezes que conheço o roteiro do início ao fim!
9) A miopia bíblica continuou a crescer no mundo evangélico. Portar a Bíblia até portamos, já ler, estudar e meditar é outra história. Houve grandes lançamentos em 2018, mas falta apetite para formar massa crítica. A Confissão de Fé assembleiana foi, formalmente, ignorada, como previmos. E, pior, não deu conta de acabar com os desvios teológicos. Que o digam os inúmeros eventos de gosto duvidoso que pululam por todo o País.
Aliás, ela já havia sido ignorada na medida em que mesmo em seu lançamento poucas igrejas haviam lhe proporcionado efetivo espaço. Tudo se resumiu à lição de um trimestre e tchau! Detalhe: como muitas lideranças continuam ausentes da EBD, a divulgação ficou a cargo dos professores. Uma lástima!
10) Continua a miopia tecnológica
Em plena era digital e com o uso massivo de tecnologia o orçamento continua mil vezes maior para a mídia convencional, que dá quase traço de audiência em qualquer segmento. Ainda aqueles ministérios e iniciativas que conseguiram algum destaque continuam bem aquém do que poderiam alcançar. A única programação evangélica que ainda dá audiência são os programas neopentecostais e o Silas Malafaia, que, pra variar, destoa bastante da sua vocação inicial.
A CPAD lançou o TV CPAD, uma iniciativa que abarcaria todas as iniciativas de mídia social da entidade e da CGADB. Porém, a audiência é ínfima. Comparemos alguns números. O Canal EBD (que é um canal de um homem só) possui 185.663 inscritos, enquanto o CPAD Vídeo, que armazena todos os vídeos da iniciativa, possui menos da metade, exatos 73.679 seguidores. Quase a mesma proporção se dá nas visualizações, enquanto o TV CPAD obteve até agora 6.737.663 visualizações, o Canal EBD obteve nada menos que 12.399.692[1].
Alguma coisa parece não funcionar na AD. Nem a música nos salva. Desconheço qualquer vídeo do YouTube postado por ADs que ultrapassaram 1 milhão de views em 2018. Estamos falando de uma igreja com alegados 40 milhões de seguidores. Os portais de informação e conteúdo nem se fala.
11) A falta de aplicação do aprendizado continua
A falta de aplicação do que se aprende na EBD e nas EBOs continua de vento em popa em 2018. O estudo flui, o aprendizado está por toda parte. Já colocar em prática…
Repetindo o que dissemos ano passado… Se a liderança e o povão cumprisse 10% do que vai nos Congressos e afins a Igreja já seria outra! Aquela humildade, por exemplo, pregada nas Escolas Bíblicas não condiz com a arrogância exercida no dia a dia de muitas igrejas. O Salmo 133 é repetido à exaustão, mas a prática é dar cotovelada uns nos outros.
Neste ano se acentuou a inserção de práticas de gestão nas administração eclesiástica, mas é só conversa pra inglês ver… Algumas EBOs se notabilizaram por abordar temas caros para Administração. No final das contas, porém, ninguém coloca em prática mesmo.
12) O chavão continuou na resistência!
A teimosia de pregadores em usar chavões e frases de efeito resistiu a 2018. Toque no seu irmão, diga para ele isso ou aquilo, grite para estourar os ouvidos do Diabo, urre perante seu Deus e vai por aí afora. As famosas “Olha o anjo aí do teu lado”, “a benção está caindo”, “pão quente do Céu”, “É forte!” estão em plena utilização nos eventos por aí afora!
Uma coisa interessante que as redes sociais registraram em 2018 foi a tendência de brincadeiras no púlpito. O microfone agora está franqueado às piadas e colocações jocosas.
13) O desleixo com o Sertão brasileiro
Milhões de sertanejos no semi-árido nordestino continuam à espera de uma estratégia de evangelização eficiente por parte da igreja brasileira. As iniciativas são tímidas e desconexas. Só lembrando que é uma região relativamente fácil de alcançar, se houvesse boa vontade e desejo sincero.
Continuam desassistidos muitos missionários que intentaram conquistar o Nordeste à revelia das grandes denominações. Estas só tem olhos para as Missões internacionais, de preferência num país que dê retorno a curto e médio prazo.
14) A teimosia em confundir usos e costumes com doutrina persiste
Continua a teimosia em confundir usos e costumes com doutrinas bíblicas. E até justificar certas opções distorcendo textos bíblicos. Não queremos diminuir a importância dos costumes, porém, esquecer da doutrina na sociedade do conhecimento é fatal! O púlpito, via de regra, anda sem alimento sólido e de qualidade para a Igreja.
Aqui me chegam críticas de todo o Brasil (algumas impublicáveis) aos cultos de doutrina sem Bíblia. Algumas igrejas acharam por bem idolatrar a santidade. E tentar faturar membros em cima disso. Traduzindo, meu ministério é mais santo que o teu, porque aqui as pessoas se vestem desse ou daquele jeito. E tem atraído muita gente. Não se sabe se a longo prazo vai funcionar. Como eu já vi filmes assim…
15) A teimosia em confundir movimento com avivamento
A turma até sacoleja e faz uns gestos irreconhecíveis. No fim, não sobra nada e vai todo mundo pra casa. O verdadeiro avivamento traz compromisso com a Obra de Deus. Avivamento que não leva as pessoas para a evangelização, por exemplo, é mero fogo de palha! É mentiroso o avivamento que não leva o salvo ao trabalho na igreja local!
Vigilhões, conferências proféticas, via de regra, são cultos onde há de tudo, menos avivamento. Permanece a mania de manipular estatísticas para inflar o número de batismos no Espírito Santo. Aliás, inflar tudo é a regra na liderança. É a opulência disfarçada de crescimento.
16) A teimosia em receitar fórmulas para o agir de Deus
Deus e a História de 2018 mandam avisar que todas as fórmulas falharam! Nada do que foi receitado deu certo. E se deu o foi muito mais pelos desacertos que pela serendipidade dos palestrantes da cabeça oca. Não, Deus não vai trabalhar do jeito que desejamos. Ponto final!
Uma nota que exemplifica muito bem a teimosia de tentar dominar as ações de Deus vai para a atuação feminina. Em julho a Igreja Presbiteriana do Brasil decidiu proibir o acesso ao púlpito de mulheres pregadoras de outras denominações. As próprias presbiterianas só podem pregar sob supervisão pastoral. Ou seja, contradição maior não há para uma denominação cujo primeiro pastor foi ganho pela pregação de… uma mulher e envia, sim, missionárias ao campo!
17) A associação da Igreja com a política secular cresceu
Cresceram e/ou fincaram raízes o nepotismo, o fisiologismo, o patrimonialismo, a prioridade oligárquica, a manutenção do status quo e outras mazelas desta natureza que já deveriam ter sido extirpadas há décadas. Tem se tornado incrível como as práticas eclesiásticas de muitas igrejas já se tornaram sistemas políticos complexos e claramente identificáveis com o que se passa na Câmara dos Deputados, por exemplo.
Como dissemos acima, muitas igrejas decidiram entrar de vez na política. Ainda está na memória uma delas que fez afixar nas paredes no templo faixas de determinado candidato, enquanto o culto se processava. Decidimos não replicar os vídeos para evitar problemas. Noutras, como dissemos, o próprio pastor decidiu se candidatar aí a coisa desandou de vez.
Com a candidatura de Bolsonaro, alinhado ao conservadorismo da maioria dos evangélicos, alguns pastores viram a oportunidade de falar de política no púlpito e até atrelar seus candidatos à popularidade daquele que viria a ser eleito presidente em outubro. Uma das maiores ADs do Brasil abriu seu púlpito para que o candidato interagisse num telão com a reunião que ali se processava. Assim, abertamente. E ainda noticiado para todo o Brasil.
Diversos candidatos evangélicos foram autuados pela Justiça Eleitoral e aguardam o desfecho das acusações. Um dos deputados mais votados no Nordeste teve a eleição questionada por receber orações em templos de sua denominação. Uma prática disfarçada de campanha recorrente em muitas igrejas.
Tivemos em 2018 o Cabo Daciolo, figura destrambelhada que se propôs como arauto dos evangélicos, distribuindo profetadas a torto e a direito. Arrebanhou muita gente com sua aura de espiritualidade. Não sabemos como se comportará seu futuro político.
18) O Diabo continua em alta
Continuaram os suicídios pastorais e outros problemas para os quais o Tinhoso é franco favorito. Por falar em suicídio, a nota positiva é que cada vez mais os fatores que a ele levam são debatidos no meio evangélico. Pouco a pouco a depressão é encarada como uma doença que precisa de tratamento e acomete a qualquer um. Claro, que é mais fácil atribuir ao Demônio.
Vou ficando por aqui. Como diz o João Alexandre: Vamos embora que a jornada é muito longa e não há mais tempo de chorar por mais ninguém.
[1] Números acessados em 23/12/2018. Embora o TVCPAD tenha iniciado, oficialmente, em junho, já existiam vários vídeos no canal CPAD Vídeo. O que o TV CPAD fez foi agrupá-los para melhor divulgar.