O roteiro é sempre o mesmo. Uma pessoa é escolhida, muitas vezes um grupo. O golpista apresenta um bilhete premiado que precisa ser resgatado, mas não tem o dinheiro da passagem, ou precisa de um adiantamento para quitar um débito, ou pede um valor para poder confiar no ouvinte. O interlocutor é fisgado com a promessa de dinheiro fácil, em grande quantidade. Daí em diante fica hipnotizado até descobrir a trama.
São histórias de quem já caiu o famoso bilhete premiado, modalidade de esperteza que todos os dias faz vítimas Brasil afora. Um professor de História se propôs a compilar casos e procurar alguma similaridade entre eles, para sua tese de doutorado. E chegou a constatações interessantes. Primeiro, o golpista passa-se sempre por incauto, nivela-se pelo ouvinte, ou faz papel de bobo. É só um disfarce. Em seguida, oferece sempre uma vantagem imediata, desproporcional aos rendimentos do alvo. Depois, quando percebe que fisgou o ouvinte não desgruda do seu pé até consumar o golpe. Por fim, some bem rápido para não ser pego.
Mas, por que as vítimas se enganam tão fácil? A conclusão óbvia é a volúpia. O desejo dominador pela riqueza. Padrão e sintomático.
A esta altura o leitor deve estar se perguntando o que tem a ver com a Igreja? Muitas coisas sob vários aspectos. Como uma Teologia da Prosperidade floresce no meio evangélico, senão através da busca da vantagem imediata? Não, nada de Céu, um galardão ao final? Nós o queremos aqui e agora!
Outro problema com a vantagem é que entorpecemos nossos ouvidos. Uma das senhoras entrevistadas para a pesquisa relata estar como que anestesiada. Não é diferente com muitas mazelas que se instalam nos ouvidos eclesiásticos. O senso popular recomenda desconfiar quando a vantagem é muito grande, mas não é isso que fazemos. Ouvimos a conversa fiada, engravidamos pelos ouvidos e depois nos damos conta que o feto é natimorto.
Outra senhora ao relatar o caso na delegacia, disparou: “Onde assino o atestado de burrice?” É que passado o transe você se dá conta do tamanho da burrada. Quem nunca testemunhou um ou outro itinerante gritando novidades em apostilas forjadas e pregações fantasiosas, enquanto a liderança babava e não via o óbvio? Ou não tomava as simples medidas de praxe, como ligar para o pastor do cidadão?
Lembro de um caso bem interessante. Um missionário chegou a certa igreja com cartas de recomendação, vestido conforme o modelito do país de onde dizia ter ido evangelizar e muita conversa no falar. Abriram-se os espaços, teve direito a ministrar, dar estudos, etc. Ao partir levou uma generosa oferta. No destino seguinte foi preso. Já tinha aplicado o mesmo golpe em outras igrejas. E nunca tinha ido a lugar algum evangelizar!
Quem nunca testemunhou a hipnose provocada pela profetadas oportunistas? Quanto desses profetas não transitam em mesas pastorais e nelas tem assento cativo? O que dizer dos cantores aos quais se exige muito pouco em termos de referenciais espirituais? Se canta, balança e melhora a oferta, que mal faz? Até que o bilhete se revela um fiasco!
Segundo a reportagem a pesquisa identificou que tais contos do vigário ocorrem desde o século XVIII. Por que tanta gente ainda cai nesta armadilha? Pelas mesmas razões que os bilhetes premiados são comprados nas igrejas: ganância! A diferença é que na vida secular nem sempre podemos dobrar nossos joelhos e pedir direção divina.
Que Deus tenha misericórdia de nós!
Leia a reportagem do UOL aqui