Carlos “Catito” e Dagmar Grzybowski
No livro de 1 Samuel 8 nós temos um relato de um efeito desses. O texto relata que Samuel já estava envelhecido e constituiu seus filhos como juízes para sucedê-lo. Entretanto, o texto revela que os filhos de Samuel eram gananciosos, aceitavam subornos e perverteram a justiça. Então os anciãos do povo se reuniram e foram a Samuel pedir que ele elegesse um rei, pois não queriam ser dirigidos pelos filhos dele. Deus ordenou a Samuel que atendesse ao pedido do povo, mas que alertasse sobre as consequências de ter um rei — consequências pesadas!
Impressionante observar quais seriam as consequências dessa escolha: serviço militar obrigatório, criação de uma estrutura pesada para servir a corte, trabalho semiescravo para cumprir com as demandas dessa estrutura e pesados impostos para sustentar essa estrutura (1Sm 8.11-18). Ainda assim o povo continuou desejando um rei. Os resultados nós sabemos!
O que eu quero chamar a atenção aqui é onde tudo isso se inicia: nos filhos de Samuel! A pergunta que podemos fazer é: por que os filhos de um homem tão íntegro e líder tão respeitado pelo povo tornaram-se corruptos e perversos? A Bíblia não deixa isso muito claro e naturalmente dá margem a muitas especulações.
Entretanto, como terapeutas de famílias há mais de 35 anos, minha esposa e eu temos observado que, em muitas famílias cristãs, existe excesso de espiritualidade e escassez de afetividade! Além disso, o exemplo que muitos pais passam aos filhos é de que a realização pessoal e o sucesso na vida são mais importantes que a ternura relacional.
Samuel foi educado longe de seus pais (Elcana e Ana), que o visitavam apenas uma vez ao ano (1Sm 2.19), e o exemplo da função paterna que ele absorveu foi o de Eli, que o criou. Ora, o texto bíblico deixa claro que Eli foi um fracasso como pai e seus filhos também tiveram condutas reprováveis (1Sm 2.22). Infelizmente foi esse modelo de paternidade que Samuel aprendeu.
Filhos aprendem observando a conduta dos pais, silenciosamente, absorvendo “pelos poros”!1 Muitos pais querem se mostrar perfeitos aos olhos dos filhos, mas se esquecem de que os filhos querem pais coerentes, não pais perfeitos. Pior é quando se utilizam da espiritualidade para encobrir suas imperfeições. Procuram justificar a rebeldia excessiva dos adolescentes em “maldições” causadas por más condutas dos ancestrais, em vez de reconhecer que durante toda a infância tiveram pouco tempo de brincar, rolar no chão, fazer “navios piratas” ou “cidades inteiras” com caixas de papelão, fazer tarefas domésticas juntos, como lavar louça, e tantos outros exemplos de um caráter cristão de amor e serviço, que são marcas indeléveis da liderança proposta por Cristo — que é papel dos pais em relação aos filhos!
Penso que, se hoje lamentamos por governantes corruptos que oprimem o povo com pesados impostos, isso decorre de muitas famílias onde os pais, mesmo com valores cristãos, preocuparam-se mais em transmitir aos filhos a necessidade de “sucesso” e de “realização pessoal” em vez de se preocuparem com o que realmente importa: tempo de qualidade relacional onde se expresse o amor incondicional!
Que a nossa geração possa fazer diferença em nossos lares para que isso reflita num “efeito borboleta” em nossa futura geração!
Nota
1. Um belo vídeo no Youtube retrata bem isso: www.youtube.com/watch?v=TPn3ULrTQAY
• Carlos “Catito” e Dagmar são casados, ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. São autores de Pais Santos, Filhos Nem Tanto. Acompanhe o blog Casamento e Família.
Pescado em Ultimato!