É difícil pontuar o que é mais importante no culto. Seriam os louvores? Seria a pregação? A oração? A oportunidade de todos expressarem o que pensam? É melhor ouvir os adultos e mais velhos? Ou reservar a maior parte do culto para os jovens? Crianças devem ter espaço na liturgia ou restringirem-se ao culto infantil? Enfim, há muita controvérsia nessa área.
Penso, porém, que é unanimidade que deve haver um bom espaço para a pregação da Palavra de Deus. Essa percepção ocorre até entre aqueles que odeiam ouvir um longo sermão. Sim, há aqueles que defendem e cantam loas à Palavra de Deus, mas preferem disponibilizar 15 minutos para a pregação. É uma contradição total. Mas é o que não falta no mundão evangélico.
Paulo ensinou em I Coríntios 14:26 (marcações minhas): “Que fareis pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem [a]salmo, tem [b]doutrina, tem [c]revelação, tem [d]língua, tem [e]interpretação. Faça-se tudo para edificação”.
Então o culto deve ter:
- Uma liturgia[1], uma sequência pré-estabelecida de funcionamento. Ainda que hajam pequenas variações, deve-se se começar com os louvores e finalizar com uma oração de despedida. No meio teremos palavras e outras manifestações. É lícito, por exemplo, a declamação de uma poesia. Outrora tão praticada entre nós, foi sendo lentamente esquecida não sabemos porquê. Que tal alternar num culto ou outro as oportunidades com a citação de versículos ao invés dos corinhos? Nada mau, não acham? A liturgia, ao contrário de algumas denominações, não costuma engessar o culto. Se bem administrada tem o condão de amalgamar os orgãos e os temas de seus hinos com o tema da pregação. Além de trazer alguma previsibilidade ao culto;
- Ordem, que horas começa? Que horas termina? Tanto quanto possível cada um dos participantes deve saber como a sequência irá funcionar. Por vezes, o culto pentecostal é um emaranhado de oportunidades, porque se quer ouvir a todos e nada parece fazer sentido. Noutros casos o culto começa pelo Espírito e termina pela carne, prevalecendo os caprichos humanos. Em outros, o barulho impera e estoura os tímpanos dos irmãos, trazendo desconforto e problemas de saúde. Ainda noutras situações os meninos espirituais se apoderam da direção e o culto se torna caótico a ponto de não se saber onde sequer foi feita a leitura;
- Louvor, os cânticos congregacionais ensinam a adoração e ajudam na memorização teológica. Por isso devemos ter muito cuidado com o que cantamos. Se está respaldado na Bíblia ou não. Letra, melodia e execução devem estar em consonância com a Palavra de Deus. Presume-se que um crente cheio do Espírito Santo jamais cantará algo que se choque com a ortodoxia bíblica, visto que está guiado pelo próprio autor do texto sagrado. Quando isso não ocorre é porque a carne ou o Maligno se instaurou no coração do adorador e desvirtuou seu objetivo;
- Doutrina, é a exposição bíblica propriamente dita. Tanto em cultos de ensino, quanto em cultos de pregação. Nos cultos abertos ao público deve predominar a kerygma, a proclamação do Evangelho, em detrimento de qualquer outro assunto. Nos fechados, a instrução e o ensino da Palavra. Infelizmente, em muitos círculos pentecostais se confunde doutrina com usos e costumes. Doutrina, lecionou o Pr. Antonio Gilberto, é aquilo que não muda ao longo do tempo. Já usos e costumes estão em permanente mudança. Houve um tempo, por exemplo, em que rádio, TV, sandálias havaianas, paletó lascado na parte de trás, pintura no cabelo e outras coisas eram proibidas nas Assembleias de Deus. Estes assuntos tomavam grande parte dos cultos de ensino. Porém, enquanto os ensinadores cuidavam do frasco, o perfume ia embora. É imprescindível que a Igreja seja alimentada com a Palavra regularmente. Que tal escolher temas sequenciais das Escrituras para vários encontros semanais? Evidentemente, o ensino não deve ser cansativo, mas dinâmico e proveitoso;
- Revelação, se refere ao aprofundamento espiritual do culto. É uma realidade cada vez mais distante as revelações entre nós, pentecostais. A falta não está em Deus. Quem mudou fomos nós! O simples ato de buscar a Deus fará com que tenhamos mais visões e revelações. Ele se aproxima daquele que o busca (Jr 29:13). Em muitos lugares o Espírito Santo não tem espaço. Nestes casos Ele deixa o culto ao bel prazer de dirigentes carnais e as coisas desandam;
- Língua e interpretação, a situação ideal é que a efusão espiritual fosse uma constante entre nós. Nem sempre isso é possível. A mecanização do culto, a frieza espiritual, a indolência com o trabalho, a falta de ministração bíblica, quando não pecado oculto, entre outros fatores, tem atrapalhado nossas reuniões. O resultado é que muitos falam em línguas, mas não há intérpretes, isso quando falam. Aliás, nossos cultos de avivamento são cheios de efusão e fracos de resultado prático. Não generalizo, mas procuremos aqueles que se diziam cheios do Espírito Santo e falavam muito em línguas em determinadas reuniões no trabalho árduo da evangelização e não vamos encontrá-los. Outro detalhe é que Paulo está falando de uma realidade em que haviam poucas pessoas reunidas, o que é diferente de nossas grandes e médias igrejas. Ficava fácil que 20 ou 25 pessoas pusessem ordem na interpretação ou profecia em cultos, geralmente, realizados em casas.
Voltemos, porém, ao assunto do post. Que espaço tem sido dado à Palavra de Deus? Quanto tempo do culto tem sido gasto em verdadeiro ensino? Não em megalomania, maneirismos, casuísmos, interpretações pessoais e sugestionamento psicológico? É complicado concluir que em bem poucos cultos Deus tem sido adorado e num percentual menor ainda a Palavra tem sido, de fato, pregada e ensinada.
Esse contexto não se torna apenas desleixo, mas um grave pecado. Não se está menosprezando aquilo que eu acho bom ou que gosto. Mas a própria presença do Espírito Santo entre nós. Quantos obreiros são fracos de Bíblia e desenvolvem uma verdadeira síndrome de Gabriela? Eu nasci assim, eu cresci assim, meu pai já era assim? Não! Urge uma mudança verdadeira!
[1] λειτουργία, lê-se leiturguia, era o serviço prestado ao Estado, que gradualmente veio a se referir também ao serviço prestado a Deus. A LXX a aplicou aos rituais levíticos.