Carlos “Catito” e Dagmar Grzybowski*
Quando casais estão em fase de namoro costumam criar apelidos carinhosos para referir-se ao outro. Expressões como “morzinho”, “xuxu”, “fofinha”, “bem” ou o mais tradicional, “amor”, são comuns entre os apaixonados.
Entretanto, após alguns anos de vida em comum, esses apelidos vão caindo no esquecimento ou sendo modificados por outros “menos carinhosos”, como “pai”, “mãe”, “mainha” ou até mesmo pejorativos, como “véio”, “gorda” etc. Então devemos nos perguntar: o que produziu tal mudança na linguagem? Será que acabou o amor?
Na verdade a linguagem revela uma sutil transformação no eixo do relacionamento, que deixa de centralizar o outro e passa a ter novas prioridades. Especialmente quando nasce o primeiro filho, as demandas dos novos papéis parentais (pai e mãe) se impõem aos papéis conjugais até então prioritários. Os tempos, espaços e afetos passam a ser triangulados com a nova vida que emerge no seio da família e ajustes são necessários dentro do relacionamento do casal.
Algumas vezes estes ajustes se refletem na forma de tratamento, que deixa de referir-se ao outro em seu significado relacional e passa ao tratamento da “função” que o outro assume na ampliação da família. Pode somar-se a isso algum desgaste na relação que não foi bem trabalhado com o passar dos anos, acreditando-se que o exercício de novos papéis familiares (papéis parentais) poderá trazer uma reaproximação da conjugalidade desgastada — afinal agora temos uma tarefa comum: criar filhos!
O que acaba ocorrendo é exatamente o oposto: a relação desgastada à qual se agregam os papéis parentais gera um distanciamento ainda maior do casal, que passa a uma vivência funcional em torno de uma tarefa, e não mais um pacto de ternura para uma caminhada de vida!
A Bíblia nos apresenta um quadro assim no relacionamento de Isaque e Rebeca, os quais, após o nascimento dos filhos, se apegaram cada um a uma das crianças (que mais lhe agradava em características de personalidade — Gn 25.27-28) e deixaram de ter a cumplicidade como casal — a ponto de Rebeca articular toda uma mentira para enganar seu esposo, que havia decidido abençoar Esaú sem consultar Rebeca, e favorecer seu filho Jacó (Gn 27.1-41)! Tudo acabou resultando em uma profunda ruptura na relação entre os filhos.
Os casais precisam estar sempre conscientes de que a tarefa como pai e mãe é transitória. Um privilégio que nos é outorgado por Deus de conduzir bebês indefesos diante da natureza ameaçadora até a maturidade — agregando-lhes valores que os capacitarão a seguir a vida de forma autônoma. O relacionamento conjugal é um pacto de ternura que deve permanecer até o último suspiro de um dos envolvidos nesse pacto; logo, em princípio, sua perenidade é maior que o processo educacional dos filhos.
Assim o investimento de tempo, energia e afeto deve ser sempre maior naquilo que será perene (e não apenas uma tarefa de cerca de vinte anos). A manutenção do tratamento carinhoso expresso nos apelidos dos tempos de início de relacionamento é significado positivo de que cada cônjuge continua percebendo o outro como a pessoa central e mais importante da construção familiar.
Se você deixou de tratar o seu cônjuge pelo apelido carinhoso que usava quando iniciaram a relação, eu quero animá-lo a retomar este tratamento, deixando de focar nos papéis que foram adquiridos ao longo da jornada familiar. Essa pequena mudança pode ter grande impacto na reorganização afetiva da família.
* Carlos “Catito” e Dagmar são casados, ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. São autores de Pais Santos, Filhos Nem Tanto. Acompanhe o blog: ultimato.com.br/sites/casamentoefamilia/