Como filha de missionários transculturais sou suspeita para falar. Mas decidi abordar assunto tão delicado para mim assim mesmo, por seu desconhecimento generalizado no mundo cristão. Na verdade são dois assuntos que se sobrepõe: um é dos chamados de Third Culture Kids, ou seja, Filhos da Terceira Cultura. Trata-se de filhos e filhas de casais que, por algum motivo, saíram de seus países/culturas de origem e foram para outros, quando eles ainda eram pequenos ou já nasceram na cultura adquirida.
Há problemas específicos enfrentados por essas crianças que, hoje em dia, recebem tratamento adequado como: terem que se desfazer de amigos e escola para terem que fazer novas amizades, o choque cultural, a dificuldade linguística, a dificuldade de adaptação ao currículo e estrutura escolar, etc.
Mas nem todo filho de terceira cultura é filho de missionário, e nem todo filho de missionário é filho de terceira cultura, como bem ressalta Alicia Macedo em seu artigo sobre o tema.1
Então, o segundo assunto é o caso em que o filho de missionário também é um filho de terceira cultura. A escritora do artigo, que também é missionária, diz que os filhos dos pais missionários também precisam receber o chamado missionário, mas para uma coisa que é diferente da tarefa dos pais. Eles não são chamados a serem “missionariozinhos” e sim… O quê? Não tenho certeza, mas para algo muito especial, com toda certeza, e para cuja realização precisam de um dom e graça especiais.
Macedo defende que o filho e a filha de missionários precisa de um cuidado especial, desde a infância até a idade adulta, porque ele/ela é um ser aparentemente desprovido de raízes culturais. E esse cuidado, quem deve dar é a comunidade cristã, que penso ser a quarta cultura que falta nesse “gap” significativo ou vazio que se forma na vida do que eu e meus “irmãos” filhos de missionários costumamos chamar de “misskids”.
Outro artigo, em alemão, de uma filha de duas culturas, como no meu caso, da alemã e da brasileira, a redatora Tanja Rinsland2, fala do sentido da palavra brasileira “saudade” que define muito bem esse sentimento que nos domina. Essa emoção é vital e tem a ver com sentir falta de algo ou alguém. Uma nostalgia, um anelo por alguma coisa ou pessoa.
Estranho que ela não se lembrou, nesse contexto, da palavra alemã Sehnsucht, que tem relações íntimas com a saudade e é usada até como termo técnico para anelo, afã, aspiração, anseio, tanto na filosofia, quanto na psicologia.
E a falta que se sente é da pertença a uma cultura, pois, em geral, esses filhos e filhas tentam em vão se identificar com uma cultura ou outra, mas se sentem desconfortáveis nas duas, sentindo falta do outro, quando estão morando em qualquer um dos dois países.
Tanja diz que é uma errante, uma peregrina, que não tem quem a espere na estação de trem da próxima mudança de casa, que mesmo assim chegou lá, pois o consolo dela é o versículo de Hebreus 13.14: “Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir,” que está no contexto de um apelo ao cuidado com o outro.” Na verdade, o contexto também fala de não seguirmos vãs doutrinas e de nos sujeitarmos ao pastor da igreja, portanto, fala da vida em comunidade.
Assim, embora o filho e filha de missionários seja desprovido de um lar humano determinado, ele e ela tem, sim, suas raízes na igreja de Cristo, que é a imagem do seu Lar verdadeiro e permanente, que é o Reino de Deus. É preciso, portanto, cuidar, mas não, ter pena dos misskids, pois eles são andantes, mas são privilegiados por poderem participar da obra do Reino, da Nova Jerusalém, na qual, em última análise, é que são radicados de forma especial.
Gabriele Greggersen
Notas:
1 O cuidado para com os Filhos da Terceira Cultura. Disponível em:< http://www.radarmissionario.org/o-cuidado-para-com-os-filhos-da-terceira-cultura/>. Acesso em: 29 Dez 2016.
2 “Nur auf der Durchreise” [Somente de passagem]. Disponível em: < https://www.erf.de/online/uebersicht/glaube-im-alltag/nur-auf-der-durchreise/2803-542-5436>. Acesso em: 31 Dez 2016.
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