Eram línguas de homens?

O assunto é: Línguas estranhas! Alguns fatos me motivam a escrever estas linhas. Em primeiro lugar, estivemos por longas semanas estudando a natureza e a deidade do Espírito Santo nas congregações que auxiliamos. Seus atributos e dons foram alvos de análise perante nossos irmãos. Cremos que houve um grande aprendizado.

Em segundo lugar, recrudesce os ataques à atualidade dos dons. De expoentes mais famosos a personagens caricatos, todos parecem irmanados em fazer calar o Espírito Santo, inibindo seu vento. Em terceiro lugar, a apatia dos pentecostais para assuntos mais aprofundados e/ou para buscar mais de Deus neste particular. Não esqueçamos a premissa paulina de I Coríntios 12:31: Buscai, com zelo, os melhores dons…

Nada do que vai aqui é inédito, seria muita pretensão. É apenas uma apanhado. O termo língua (glôssa) no Novo Testamento grego ocorre 50 vezes[1]. Falar em línguas é uma promessa de Jesus aos seus seguidores (Marcos 16:17). Por que, pois, há tanta celeuma? Penso que é ponto pacífico o que aconteceu à Igreja Primitiva, não restando maiores questionamentos quanto àquele episódio de Atos 2. Por que o há na Igreja hodierna?

Um dos mais acabados e falaciosos argumentos quanto à cessação dos dons defende que as línguas faladas em Pentecostes eram humanas. Dialetos e idiomas de quatorze nações, segundo a argumentação, teriam sido faladas naquele conclave em Jerusalém. Enumeremos as contraposições:

1) Todos os judeus falavam ou conheciam o hebraico à época. O menino aos treze e a menina aos doze (alguns autores divergem quanto à idade exata) participariam de uma cerimônia que os definiria para sempre como participantes do povo judeu. Para provar sua identidade, ele ou ela, eram obrigados a recitar passagens inteiras decoradas da Torá. Aqueles que estavam na cidade de Jerusalém, exceto por autoridades, soldados e algumas poucas pessoas, eram todos judeus da Dispersão. Logo, se Deus queria lhes falar por que não usar seus discípulos em hebraico?

2) Todos os visitantes e habitantes de Jerusalém conheciam o grego, que era a língua franca do mundo do Novo Testamento. O versículo 5 deste capítulo fala de prosélitos, ou seja, gentios convertidos ao judaísmo, que tinham de passar pela cerimônia de batismo, que incluía a leitura de porções da Torá e além disso conheciam a língua grega. Se Deus lhes queria falar por que não usar seus discípulos em grego? O que queremos provar com isso é que não haveria uma alegada dificuldade de comunicação, a ponto de uma mensagem ser encaminhada aos ouvintes em uma língua particular. Todos a entenderiam em, ao menos, dois idiomas conhecidos e utilizados (havia ainda outra língua falada pelo povão: o aramaico). E nem mesmo os apóstolos tinham dificuldade na evangelização, ou seja, não era necessário nenhuma intervenção sobrenatural para que se fizessem entender ao pregar o Evangelho ao mundo conhecido de então!

3) Em Éfeso havia uma comunidade evangelizada por Apolo, grande orador e expositor, mas não batizado no Espírito Santo. Doze pessoas exclamaram: Nem ouvimos dizer que existe o Espírito Santo! quando Paulo perguntou se eram batizados no Espírito Santo. Todos falavam a mesma língua. Paulo orou por eles, foram batizados e tanto falavam em línguas, quanto profetizavam. Havia Deus perdido a mão? Detalhe: Todos já eram salvos e, sem saber, já eram habitação do Espírito Santo! Apenas não haviam recebido o revestimento de poder decorrente do batismo. Esta história está no capítulo 19 do livro de Atos.

4) Em Atos 10:44-47 temos outra história interessante. Gentios ouviam Pedro pregando, provavelmente em grego (língua franca, lembram?) e veio sobre eles o batismo no Espírito Santo e falavam em línguas estranhas. O texto ainda arremata: …também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; pois os ouvíamos falando em línguas… ou seja, inequivocamente não eram línguas de homens, pois que os discípulos não precisavam ser evangelizados!

5) Os apóstolos singraram muitos mares em busca de almas. Paulo, sozinho, percorreu milhares de quilômetros pela Europa e Ásia, inclusive em algumas cidades mencionadas no Pentecostes. Não lhes parece estranho que nunca o texto bíblico tenha dito que pregaram em línguas? Se as línguas são idiomas, então, concluímos que em várias vezes os apóstolos e demais discípulos seriam usados neles para a pregação do Evangelho. Aonde estão as referências? Filipe, por exemplo, se dirigiu ao eunuco (Atos 8:29) quando este lia uma narrativa da Septuaginta ou LXX, a versão em grego do Velho Testamento. E não lhe falou em outra língua senão em grego!

6) Partamos do princípio que as línguas eram idiomas, sobrenaturalmente aprendidos por ocasião do derramamento do Espírito Santo. Ora, os discípulos alcançaram muitos povos e escreveram muitas cartas evangelísticas e exortativas. Haveria Deus falhado em usá-los de tal forma a que escrevessem no idioma destes destinatários? Não há um só manuscrito do NT (embora destinados a povos distintos) que esteja em outras línguas que não grego, hebraico ou aramaico! Ou só lhes daria por milagre a fala naqueles estrangeiros idiomas?

7) Ouçamos Paulo em I Coríntios 14:2: Porque o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios. Como assim, não fala aos homens, senão a Deus, se há defensores das línguas como idiomas? Fala em espírito? Mistérios? É um versículo chave para desfazer a insensatez. Continue lendo os versículos seguintes, o contexto é claríssimo. Somente alguém mal intencionado, tentando provar uma tese inexistente, poderia afirmar que Paulo fala de línguas humanas.

8) Em I Coríntios 13:1 está a pá de cal no assunto. Ainda que em fale as línguas dos homens e dos anjos…

A conclusão óbvia é que não eram línguas humanas as que os discípulos falaram em Atos. Ainda resta outra questão: Então como se explica o espanto daquelas quatorze nações ao ouvirem os discípulos falando em seus idiomas? Nada mais que a operação de outro dom. Sobrenaturalmente, o Espírito Santo usava seus discípulos naquele momento no idioma deles, através do dom de interpretação de línguas. Não apenas ouviam em grego ou hebraico, o que soaria natural para os ouvintes, como nos idiomas nativos. Aí, sim, um espantoso milagre!

Por aqui conta-se que um dos Lundgren, poderosos donos de tecelagens em Paulista, Pernambuco, passava em frente à uma de nossas congregações, quando ouviu alguém lá dentro falando em alemão para ele. Acorreu ao recinto, pensando encontrar algum parente conhecido. Era um irmão sendo usado por Deus para comunicar as Boas Novas. Certamente, aquele irmão nunca mais pregou em alemão. Era um milagre.

[1] Concordância Fiel do Novo Testamento Grego-Português, Volume I, 1994, Editora Fiel

Acompanhe aqui a parte 2 deste artigo!

Sobre o autor | Website

Meu nome é Daladier Lima dos Santos, nasci em 27/04/1970. Sou pastor assembleiano da AD Seara/PE. Profissionalmente, trabalho com Tecnologia da Informação, desde 1991. Sou casado com Eúde e tenho duas filhas, Ellen e Nicolly.

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3 Comentários

  1. Quero imprimir algumas considerações ao seu texto. Primeiro, Atos é um livro extremamente problemático para fundamentar uma doutrina, só a título de exemplo, a escolha do substituto de Judas dificilmente seria adotada em qualquer igreja tradicional. Não batizamos só em nome de Jesus como os adeptos CCB fazem, estariam eles certos nesse quesito, e os demais equivocados? Segundo, o batismo cristão deveria ser exercido após a confissão de fé, pois é justamente isso que vemos nas conversões de Pentecostes. Terceiro, o batismo nas águas deveria ser praticado assim que o irmão falasse em “línguas”, é.g., AT.10.44-48. Outrossim, como bem fundamenta o saudoso John Stott, as línguas de Atos 2, não devem ser confundidas com as de 1Co.12, em razão de essas não precisarem de intérpretes, uma vez que o texto diz claramente “[…] Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em NOSSA PRÓPRIA LÍNGUA” (AT.211b, NVI). Ou seja, essas línguas aqui mencionadas, prescindem o dom de interpretá-las, pois interpretar também seria uma obra exclusiva do Espírito Santo, pois as línguas de Corintios 12, para que haja entendimento delas, é indispensável a interpretação da Terceira Pessoa da Trindade. Partir do pressuposto de o indivíduo falar em línguas consigo mesmo e com Deus é uma saída um tanto complexa. Qual o sentido de o indivíduo ficar falando mistério com Deus, uma vez que nem ele mesmo sabe o que estar falando?
    No mais achei extremamente interessante o seu posicionamento. Só levantei essas questões, porque tenho sérias dúvidas quanto a atualidade dos dons.
    Um forte abraço e fica na paz.

  2. Daladier Lima disse:

    Prezado Angelo, por partes…

    A fórmula batismal é de Jesus (Mateus 28:19). Creio que o batismo se segue à confissão, após salvo, batizado. Discordo de sua argumentação quanto a Atos 10:44ss. No texto do post explico a diferença fundamental entre as duas ocorrências detalhadas por Stott. Primeiro, ouviram falar em línguas desconhecidas, depois o Espírito Santo lhes concedia que interpretassem tais línguas. Com relação ao falar em línguas ser mistério com Deus é a óbvia assertiva paulina em I Coríntios 14:2. Por que? Aí é outra história que só compreenderemos definitivamente no Céu.

    Grato por suas considerações!

  3. Everthon Adams de Araújo. disse:

    Muito bom pastor!
    Contudo, achei um pouco forçado afirmar que falavam em línguas estranhas e INTERPRETAVAM, quando o texto não mostra isso. Ao menos que esteja de forma tão oculta que não consegui identificar. Outra coisa que não concordo é o fato de judeus da dispersão acontecida há vários anos ainda possuírem habilidades referentes ao idioma próprio visto que estamos falando provavelmente de outras gerações. Todavia não tenho habilidade grega para levar um debate mais adiante.
    Paz!