Eleições: algumas lições que a igreja NÃO aprendeu?
As eleições estão findando. Que lições ficam para nós, povo de Deus? Estamos melhores eticamente? Crescemos espiritualmente? Será que queremos aprender as lições que o pleito deixa para nós? Vem comigo!
Prezados, 400 leitores, a esta altura do campeonato político brasileiro um dos candidatos já deve estar eleito. Os votos nas eleições são massivos na parte da manhã. Agora são 14:00h, portanto, muito voto já rolou nas urnas. Mas não é diretamente sobre Bolsonaro ou Haddad, PT ou outro partido que desejo comentar com vocês.
Como sabem, primamos por analisar a realidade da vida eclesiástica brasileira, buscando sempre trazer análises equilibradas para nossos leitores. É a proposta do blog. Tenho escolhas, escrever é escolher um lado. Até evitei por escolha pessoal maiores comentários, mas agora que chega ao fim este ciclo eis-nos aqui para este breve diálogo. Antes de mais nada gostaria da sua interação respeitosa, ainda que discorde de mim, não tenho problema com o contraditório. Vamos dividir o post em pontos para facilitar a discussão.
O papel dos pastores
É imprescindível iniciar esta análise a partir do topo. E houve falhas grotescas a partir dos grandes gabinetes. Falhas com a legislação. Diversas igrejas autuadas por propaganda extemporânea, que é a propaganda antecipada, e propaganda em lugares públicos. Além de outros problemas. O Ministério Público Federal e os Tribunais Regionais Eleitorais atuaram fortemente e indiciaram diversas lideranças e seus candidatos, deixando muito claro que não estavam contra igrejas e sua liberdade de culto, mas contra a burla à legislação!
Ao contrário do que parece, igreja não tem dono, nem é curral. Tem que se submeter às leis do País. E a Lei 9.504/97 entre outros diplomas legais são muito claros sobre o que pode ser feito ou não. Sendo importante lembrar que os lugares públicos (sindicatos, igrejas, hotéis, parques, universidades, escolas) não podem escolher lado por algumas razões essenciais:
- Para não desequilibrar a disputa. Se eu tenho um público cativo a quem falar e outro candidato não, está configurada a preferência e o desequilíbrio do pleito. Se abro o espaço a um, tenho que abrir a todos;
- Candidaturas concorrentes são tolhidas. Ou se está abrigado debaixo das ordens da liderança que impôs uma candidatura ou se é dissidente. Para a legislação isto é totalmente errado, visto que qualquer um, eu disse QUALQUER UM, tem o direito de votar e ser votado. Logo, qualquer tem o direito de pleitear uma vaga, mesmo que não apoiado por liderança nenhuma!
- Os pastores tem voz ativa e se colocam como porta vozes de Deus. Esta função imprime um ar de escolha divina, inquestionável. Já vimos em outros posts que não é nada disso, boa parte é meramente aproveitamento pessoal e/ou institucional, para ganhar musculatura social, quando não financeira. É o abuso de poder religioso, quando a liderança se aproveita de sua influência espiritual para cooptar, ainda que dissimuladamente, votos para determinado candidato;
- Vivemos numa democracia. Isto implica dizer que a opinião não pode ser cerceada. É um direito personalíssimo da nossa Constituição. O inciso IV, do artigo 5º da CF registra: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”! Num ambiente em que as pessoas não podem se manifestar livremente, ainda que divirjam de uma posição dita oficial, este direito de opinião está sendo cerceado. QUALQUER que seja este ambiente!
- O TSE e outros tribunais compreenderam outra grave violação das leis: o abuso de poder econômico, que ocorre quando a estrutura eclesiástica é utilizada para favorecer uma determinada candidatura. Tempo de culto é utilizado, com público cativo, instalações, funcionários, energia, telefone, água, móveis, imóveis, enfim toda uma estrutura que custaria muito dinheiro, se coloca à disposição de determinado candidato, ainda que muitos não votem nele. Quanto custaria, por exemplo, promover um comício? Ao invés disso se promove uma concentração evangelística disfarçada e o candidato é apresentado!
Ainda do ponto de vista da liderança precisamos pensar: Quanto tempo, dinheiro (leia-se: dízimos e ofertas), criatividade, energia foram desperdiçados nesta campanha política? Quantas ações eclesiásticas poderiam ser levadas a efeito no mesmo espaço, tirando pessoas do abismo? Acolhendo, visitando e cuidando de necessitados? Visitando feridos? Planejando eventos e atividades para o reino de Deus? De fato, o alvo era o reino de Deus ou o nosso reino pessoal?
Ouvi vários relatos de pastores prometendo votos aos milhares, quando pouco ou nada tinham para entregar. Esta prática, aliás, não é nova. Ela só se repetiu. É que o apoio da liderança evangélica no Brasil, via de regra, é uma troca de favores e benesses. Eu ajudo Fulano, Fulano me ajuda ou ajuda a Igreja em alguma demanda. Para demonstrar importância se inflaciona quantidade de templos e número de membros. Em outras palavras: se mente para angariar alguma vantagem. Essa prática se revela nociva, especialmente no dia da contagem dos votos!
Mas houve quem se superasse. É o caso dos pastores esquerdistas. Ora a História é pródiga em demonstrar que esquerdismo e Evangelho são antagônicos. Inúmeros cristãos sofreram e ainda sofrem em países comunistas ou socialistas, como Cuba, Venezuela e China, onde não há liberdade de culto e de reunião, não podem portar uma Bíblia e nem evangelizar. Depois do Islamismo é a maior ameaça! Mas estes dados, ventilados aos quatro ventos, não são suficientes para demover o apoio de algumas lideranças a tais projetos.
Em nome da implantação da Missão Integral, versão evangélica da Teologia da Libertação católica, diversas lideranças fecham os olhos para a doutrinação universitária, a erotização de crianças via manuais de sexualidade de gosto duvidoso, a promoção dos valores marxistas, o tolhimento das instituições, a corrupção, o aumento da dependência do Estado. O capitalismo tem os seus defeitos notórios, mas nunca foi condenado nas Escrituras. O que sempre foi ponto pacífico na Bíblia é a justiça, a verdade, a liberdade e a paz. Coisas que não temos no socialismo!
Registre-se, antes de findar o tópico, a contradição evangélica que ficou evidente por toda parte. Aqui em Pernambuco grandes ministérios evangélicos apoiaram uma candidatura socialista, com uma vice comunista e aliados do Movimento Sem Terra! Tal fato se repetiu em outras plagas. No Maranhão, as principais igrejas evangélicas apoiaram uma chapa comunista. No Rio Grande do Norte, uma petista foi a preferida. Detalhe: além esses apoios, esquerdistas ou não, ainda temos o apoio a corruptos notórios. Que baita contradição! Não duvidem: a regra é o apoio pragmático e não programático!
A conclusão parcial é que, infelizmente, há pouco ou nada para a membresia aprender com suas lideranças no que diz respeito a candidaturas e eleições e ao cumprimento da Lei! E se colocarmos na lupa o procedimento de algumas lideranças com os que não aderiram a seus projetos, temos que houve o descumprimento da própria Bíblia!
O peso do voto evangélico
Chegamos a um outro ponto interessante, na verdade subponto do anterior. Qual o peso do voto evangélico? Amparados em levantamentos de gosto duvidoso os números são aumentados para passar a sensação de importância. Há, por exemplo, aqui integrantes de um grande ministério que alardeiam ter até dois milhões de adeptos, quando o IBGE situa o número de assembleianos por volta de 800.000 pessoas! É esse mesmo tipo de raciocínio utilizado por alguns para falar em 40 milhões de evangélicos no Brasil.
Mas é quando olhamos para as candidaturas oficiais que a ginástica fica interessante. Somando os deputados estaduais evangélicos assembleianos eleitos em Pernambuco temos algo em torno de 310.000 votos, com os não eleitos a conta não deve passar de 400.000! O que se aproxima da estatística histórica: 70% dos habitantes são eleitores, 70% dos eleitores são votos válidos. E ainda teremos de levar em conta os votos de muitos não evangélicos que acreditam nas propostas dos candidatos evangélicos.
Assim, não temos tanta importância numérica quanto parece e bem menos do que se ventila nos gabinetes onde se encarecem os números. Nem mesmo quando importantes instituições oferecem apoio local ou nacional. Agora mesmo, na reta final da campanha diversas entidades hipotecaram apoio ao candidato Bolsonaro, como se esse apoio fizesse migrar o voto evangélico para ele. Quem está atento já percebeu que a massa evangélica havia aderido à candidatura muito antes de todos os anúncios! Logo, é mera formalidade, no máximo aproveitamento de um espaço deixado pelo apoio difuso da massa.
Para jogar a pá de cal no tópico, por aqui, grandes candidaturas evangélicas viram sua votação encolher miseravelmente em relação à votação de 2014, mesmo que continuem apoiadas pelas lideranças maiores. Dois dos grandes deputados evangélicos estaduais, perderam no período nada menos que 62% e 51%, respectivamente, dos votos obtidos anteriormente. E o federal evangélico assembleiano mais votado do Estado em 2014, desidratou 46,50%!
A vontade de Deus e as profetadas
Mais uma eleição se passou e os evangélicos continuam confundindo a vontade de Deus com sua permissão. Invoca-se a a vontade de Deus, por exemplo, na apresentação de candidatos em igrejas. O filho, a filha, o sobrinho, a esposa e até mesmo o próprio pastor seriam eleitos por vontade divina. Daí aparecem os profetas com mensagens encomendadas para legitimar a candidatura. E quando não se cumpre? Era profetada?
Precisamos compreender que nem toda eleição é a vontade de Deus. Aliás, as eleições fazem parte de um sistema governado pela vontade humana. Evidentemente, tudo está dentro de sua permissão, mas daí a dizer que foi a vontade no sentido estrito do termo vai uma grande distância. Tomemos, por exemplo, as eleições na Coréia do Norte, onde o ditador obtém 100% dos votos, Cuba um partido único domina o cenário há décadas. Foi a vontade de Deus? A eleição de Hitler, num plebiscito em agosto de 1934, com 90% dos votos, foi a vontade de Deus?
Mormente, se coloca o nome de Deus no meio da barafunda mais para confundir do que para esclarecer. O que se intenciona é desviar a atenção para o verdadeiro debate: sobre ideias! Diz David S. Landes[2], que quando a espingarda chegou à América Latina a primeira reação dos nativos foi atirar, já no Japão foi desmontar para ver como era feita! São comportamentos distintos que explicam porque não somos desenvolvidos como o Japão. Não é, a rigor, porque Deus não nos fez japoneses!
Então, acertemos que quando aquele candidato indicado ou apoiado pela igreja é eleito quase sempre NÃO é a vontade de Deus, mas sua permissão. Pode até ser a vontade da liderança que o indicou…
Para fechar esse ponto temos o fator Daciolo, aquele candidato profeta, que vivia e vive entregando mensagens divinas no Congresso e nos programas televisivos. Não passa de uma caricatura, alheia à realidade e totalmente despreparado para o cargo a que se candidatou. Serviu apenas para que o nome de Deus, de quem alegava ser o enviado, fosse vituperado com a célebre declaração: “Glória a Deuxx”! Viu como se pode falar de Deus e dizer que foi enviado em nome dele, sem ser? Uma de suas profecias versava sobre sua eleição com 51% dos votos. Nada parecido aconteceu!
Os evangélicos e as fake news
Nunca os evangélicos compartilharam tantas mentiras! Qualquer teoria da conspiração era compartilhada em grupos de WhatsApp, Messenger, etc, com seriedade. Parecia que do outro lado havia alguém com os olhos arregalados. A preguiça para checar ou brecar as fake news atingiram índices alarmantes. E em relação a todos os candidatos. O mesmo se deu com a liderança. Faço parte de alguns grupos nacionais de líderes dos quais recebia mensagens falsas a todo momento. Em alguns casos até argumentei com links e provas, mas não tinha jeito. Fui até xingado de desviado por alguns componentes.
Claro, que no Brasil as fake news foram massivas nesta eleição. Repercutidas a partir dos grupos, mensagens em redes sociais, etc. A grande questão é que o público evangélico se coloca como ético, discernidor e amante da verdade. Quando recebemos uma mensagem é nossa obrigação checar se ela é verdadeira e, na hipótese de não conseguirmos elucidar por conta própria, ao menos solicitar ajuda de alguém. E não podendo confirmar, não repassar ou fazer um alerta de que não tivemos como validá-la.
Inúmeras mensagens que recebi eram mentiras evidentes. Destas me livrei logo. De outras fiz a checagem. Estão em algum grande portal de notícias? As páginas especializadas em desmascarar boatos falam delas? No fim, ainda incomodei amigos para avaliar em conjunto. Somente após estes crivos é que repassava ou, na dúvida, deletava.
Notou que nenhuma página de fact checking evangélica foi criada? Se lideranças estão preocupadas em não mentir, nem propagar mentiras, era de se esperar alguma iniciativa na área. Mas o que vimos foi algo impressionante com lideranças de grande envergadura repercutindo mensagens negativas sem qualquer pudor. É o caso do apoio de John Piper a Bolsonaro! Mas esse é o mais leve. É uma grave lição para nós, evangélicos no país do jeitinho. Não vale tudo para ganhar uma eleição!
O potencial da internet
Vimos como uma campanha, provavelmente vitoriosa, foi feita a partir de um estúdio improvisado na casa de um dos candidatos. A campanha televisiva ficou às moscas. Do rádio nem ouvi falar. Redes como o WhatsApp deram a tônica. Não, este ponto não é sobre redes sociais na política, é por que não estamos aproveitando tais mídias para o engradecimento do Reino?
Já falamos bastante aqui sobre a importância da internet na comunicação de massa. Já é página virada. Infelizmente, igrejas e grandes ministérios não aproveitam o potencial de tais redes. E até continuam investindo grandes somas nas mídias tradicionais quando o povo evangélico está em massa nas redes sociais. Por que continuam a fazer assim? É a pergunta cuja resposta vale um milhão de dólares!
Agora há pouco uma mega rede de igrejas alardeia estar implantando uma rede nacional de transmissão televisiva. A que custo de implantação? De manutenção? A audiência compensa? Com 2 ou 3% de todo esse investimento poderíamos alcançar dez vezes mais pessoas! Os provedores pulverizaram os acessos via banda larga pelo interior do País, o custo despencou. Até grandes empresas de telefonia estão sofrendo para se manter superavitárias em seus balanços. E é só o começo.
Por que não aproveitamos tal oportunidade!? Não há, já dissemos aqui, um mísero portal de um grande ministério evangélico com grande audiência ou algo que mereça ser mencionado. Detalhe: há público! A maior iniciativa assembleiana no Youtube, só para falar da minha casa, teve este mês menos de 3% da audiência da Folha de São Paulo!
O que virá?
Caminhando para a conclusão é inevitável especular sobre um futuro governo. Como parece em todos os institutos de pesquisa Bolsonaro será eleito. Espero que acabe com as fontes de financiamento das ONGs esquerdistas, a doutrinação nas escolas, fortaleça as instituições, inove na economia trazendo mais liberalidade, atue forte na segurança, mitigue os problemas de saúde, etc. Tudo isso é possível a partir da grande manifestação popular em torno de sua candidatura. De fato, nunca na História deste País um eleitor comprou a camisa de um candidato.
Porém, cumpre-me relembrar à Igreja que:
1) Não estamos elegendo um pastor. Não espere postura ética evangélica sempre do presidente eleito, você pode se decepcionar;
2) Devemos continuar orando pelas autoridades, por sua vontade ou permissão elas são constituídas por Deus e precisam de nossa intercessão;
3) As mudanças que o Brasil precisa podem resultar em decisões duras para a maioria de nós. Queremos que a Lei prevaleça, mas será que quando o seu cumprimento for requerido iremos assentir?
4) Recuperemos os laços perdidos nesta eleição. Antes de cidadãos da terra, defendendo nossos pontos de vista, somos cidadãos dos Céus, não temos que prestar honra a priori a Bolsonaro ou Haddad, mas a Deus. A eleição passa, os amigos permanecem;
5) Lembremos que nossa Pátria não é aqui. Podemos ter dias melhores, com mais empregos, melhores salário e tudo o mais que outras nações tem, mas nós estamos esperando o Céu.
Há muito a ser dito, mas vou ficando por aqui. Ao que É seja a glória, agora e no dia da eternidade!
Leia também: Oito mentiras que se contam sobre eleições na Igreja
[1] Aqui a Folha alardeia ter 50 milhões de acessos em Outubro/2018
[2] A Riqueza e a Pobreza das Nações: por que umas são tão ricas e outras são tão pobres
“Concentração evangelística disfarçada”. Infelizmente essa prática tem sido marca registrada de muitas Assembleias de Deus.
Sábios pensamentos meu irmão Daladier. A minha conclusão é que não adianta ser cristão, pregar uma coisa e na hora de escolher um candidato, escolho um que é contrário e contra a minha fé.