Por Clóvis Rossi*
A principal manchete do serviço de notícias por e-mail que “Le Monde” envia a seus assinantes decretava nesta quarta-feira (15): “O mundo saúda o acordo histórico com o Irã”.
Menos, companheiros, menos. A manchete seria mais adequada na véspera, quando de fato parecia que o mundo todo, Israel à parte, soltava suspiro de alívio. Agora, começam a surgir sombras, a maior delas, previsivelmente, vinda de Israel.
Efraim Inbar, diretor do Centro Begin-Sadat para Estudos Estratégicos, diz que “um ataque militar israelense ao Irã tornou-se mais provável –e no futuro próximo, antes que os EUA brequem o fornecimento militar ao Exército israelense”.
Pode ser apenas o raciocínio naturalmente belicoso de um “falcão”, mas o problema com Israel é que praticamente desapareceram as “pombas”.
A lógica de um eventual ataque israelense é simples: o Irã, acha o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, vai chegar à bomba, ou burlando o acordo ou aproveitando suas brechas. Os EUA não são mais confiáveis para defender Israel. Logo, Israel tem que cuidar da própria segurança por sua conta e risco.
Além da previsível tempestade que Israel está armando em torno do acordo, há outras reações, no mundo acadêmico, que desmentem o otimismo de “Le Monde”. A principal diz respeito ao uso que o Irã fará dos recursos que serão acrescentados à economia com o fim do embargo.
A linha crítica é representada por exemplo por Ray Takeyh, pesquisador-sênior de Oriente Médio do Council on Foreign Relations. “Os maciços ganhos financeiros derivados do acordo alavancarão uma explosão imperial da República Islâmica, ao mesmo tempo em que permitirão consolidar o poder de um regime repressivo que estava na iminência do colapso em 2009”, diz.
Completam o raciocínio Matthew Levitt e David Makovsky, pesquisadores do Instituto de Washington para o Oriente Próximo:
O Irã passará a ter fundos “para desestabilizar o Oriente Médio, escorando o brutal regime do presidente sírio Bashar al-Assad em Damasco e aprofundando os objetivos iranianos no Iraque e no Iêmen”.
Como é óbvio, as autoridades iranianas negam objetivos tão imperiais e dizem, ao contrário, que a prioridade é “expandir relações com vizinhos, cooperar com eles contra nossos maiores desafios comuns, e extremismo e terrorismo são os desafios mais importantes para a nossa região”.
Declarações de Mohammad Javad Zarif, o chanceler iraniano, ao “site” Al Monitor. É uma alusão óbvia ao fato de que o Irã está enfrentando o terrorismo do Estado Islâmico na Síria e no Iraque –no que coincide com os Estados Unidos.
É claro que Zarif pode estar escondendo as reais intenções do regime, mas, com eleições em fevereiro, é razoável supor que o presidente Hasan Rowhani há de querer injetar na economia o dinheiro resultante do fim das sanções, até para ser coerente com sua promessa de campanha de que o objetivo é melhorar as condições de vida dos iranianos e não restabelecer um império persa.
* É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às segundas, quintas e aos domingos, na Folha de São Paulo.