Crack: o monstro de boca aberta
Não vamos mentir. Não vamos pôr panos quentes. Não vamos ficar de braços cruzados. Não sejamos ingênuos. O monstro existe. Sua boca está escancarada. Ele tem o apelido de crack. Ele convive muito bem com os seus diversos parentes chegados: a cocaína, a maconha, o ópio, o álcool, o fumo (tanto na versão antiga quanto na moderna). Mas ele é o pior de todos. O crack pode ser comparado àquele enorme e coroado (com sete coroas) dragão, pronto para abocanhar os nossos filhos (Ap 12.1-5). Não há exagero algum. Não há sensacionalismo nem alarmismo. Basta abrir os olhos, basta desacostumar com o problema, basta reunir uma série de recortes de jornais, basta examinar estudos e pesquisas feitos por autoridades no assunto, basta consultar a “Cartilha sobre o Crack”, elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2011. Ela começa assim:
“Com custo relativamente baixo e alto potencial para gerar dependência química, o crack é, dentre as substâncias entorpecentes, aquela que tem causado as consequências mais nefastas em nossa sociedade. A droga atinge grave e diretamente a saúde física e mental dos usuários. Mais do que isso, e de forma muito rápida, debilita laços familiares e relações sociais. Nesta medida, constitui indiscutível fator de aumento das taxas de criminalidade, violência e outros problemas sociais.”
O crack mata
Segundo a bióloga Mariana Araguaia, “cerca de 30% dos usuários [de crack] perdem a vida em um prazo de cinco anos — ou pela droga em si ou em consequência de seu uso (suicídio, envolvimento em brigas, ‘prestação de contas’ com traficantes, comportamento de risco em busca da droga)”.
O suicídio é a terceira maior causa de morte entre jovens. E muitos deles se matam em decorrência da dependência do álcool e outras drogas.
A guerra entre traficantes mata um número enorme de pessoas. “As lutas internas, e não apenas entre gangues, são uma das características principais dos cartéis” — diz Francisco Antonini. De 2006 até hoje, só no México, fala-se em 70 mil homicídios ligados, de uma forma ou de outra, aos cartéis de drogas.
O crack mente
Ele promete fornecer ao usuário sensações de grande prazer, de grande euforia, de extrema autoconfiança, de poder e de ausência de cansaço. E cumpre sua palavra. Só que tudo dura apenas de 5 a 10 minutos, quando muito. Porém, o crack esconde o que vem junto: a agitação, a irritabilidade, as alterações de percepção e de pensamento, a taquicardia, os tremores, a perda de apetite e de sono, a perda da saúde e, em alguns casos, a perda da vida. De acordo com o médico Eduardo de Andrade Aquino, fundador do Núcleo de Neurociências de Belo Horizonte, muitos usuários de drogas ficam com algum tipo de demência e tornam-se esclerosados precoces aos trinta, quarenta ou cinquenta anos. Outros tornam-se doentes mentais e se “esquizofrenizam”, seja pelo abuso de drogas, seja por uma predisposição para a doença. Estatísticas recentes afirmam que o dependente químico prejudica a si próprio e a outras quatro pessoas.
O crack escraviza
Porque a sensação foi boa, mas durou pouco, a pessoa tem vontade de usar mais uma vez, mais outras vezes e, em muito pouco tempo, o uso do crack se torna compulsivo e incontrolável. Em outras palavras, o usuário é levado a um consumo desenfreado da droga e passa a integrar o triste rol dos dependentes químicos. Por toda a vida. Por toda a vida mesmo, a não ser que ele aceite fazer um tratamento para abster-se do crack, o que nem sempre acontece (veja Galeria dos dez dependentes que estão limpos e hoje trabalham em comunidades terapêuticas). Nem sempre acontece porque essa dependência exige um tratamento difícil e complexo, pois é uma doença crônica e grave que deve ser acompanhada por longo tempo.
O crack é caro
O crack cobra um preço altíssimo de seus usuários. A dependência química afasta as pessoas de seus pais, cônjuges, filhos e amigos. Ela os faz perder o emprego, a projeção social, os bens, a saúde e, às vezes, até a fé. Quase sempre os dependentes químicos são levados a fazer coisas que jamais imaginaram, como furtos, roubos, assaltos e assassinatos. Às vezes, a dependência obriga-os a se comprometerem com o tráfico e com o crime de seduzir alguém às drogas. Mais ainda: o crack pode levar as suas vidas muito prematuramente.
Além desses, há muitos outros custos. O que o governo, as organizações não governamentais e as quase incontáveis organizações religiosas gastam para salvar da ditadura do crack os seus dependentes é impossível mensurar. Boa parte da população carcerária é formada não de assassinos, assaltantes e ladrões, mas de traficantes. O dinheiro gasto com o crack provavelmente daria para resolver grande parte dos problemas sociais do país!
O crack está no mundo todo
A Cartilha do governo diz que “não há sociedade livre de drogas”. Ed Vulliamy, autor de um livro sobre a guerra do tráfico na fronteira do México com os Estados Unidos, afirma que “a guerra do México não é apenas um problema do México, é do mundo, enquanto a Europa e a América cultivarem sua insaciável necessidade por drogas”.
Assim como São Paulo, Bogotá tem a sua Cracolândia, mas com o nome de Bazucolândia, pois a droga lá não é o crack, mas o seu irmão gêmeo, o bazuco (igualmente derivado da coca). Talvez haja mais dependentes químicos naquela do que na nossa Cracolândia.
O número de drogados no distante Afeganistão é superior a 1,5 milhão (5,3% da população). Nesse país, 10% dos domicílios urbanos têm pelo menos um usuário de drogas. A porcentagem dobra para 20% na província de Herat, onde o abuso de drogas toma conta de aldeias inteiras. Há casos em que a família toda, inclusive as crianças, é usuária de drogas.
No México, a cada ano o narcotráfico movimenta a fabulosa quantia de 13 bilhões de dólares (quase 30 bilhões de reais).
O crack não tem jeito
Apesar das leis, da repressão, da vigilância, da polícia, das prisões, da propaganda contrária, das mortes, das lágrimas de muitas mães e do desespero de muitos pais, o crack tem sido cada vez mais consumido no Brasil. Em todas as camadas da sociedade e em todas as cidades. Calcula-se que temos 600 mil vítimas do crack no país.
Outro dia, só na Cracolândia, um pequeno quadrilátero a cinco quilômetros do marco zero de São Paulo, a maior cidade brasileira, 4 mil pedras de crack foram apreendidas e 25 pessoas foram presas por suspeita de tráfico na área.
De dezembro de 2011 a dezembro de 2013, o governo federal gastou 2 bilhões de reais em todo o país só com o programa Crack — É Possível Vencer. Até o final deste ano, 4 bilhões serão investidos no programa.
O crack não tem jeito aqui nem em qualquer outro lugar. Pesquisas recentes mostram um aumento no uso da droga no Canadá. 52,2% dos moradores de rua tinham consumido crack nos últimos seis meses. Em Toronto, 78,8% dos entrevistados relataram ter fumado crack no mesmo período.
No início deste ano, o presidente do Uruguai, José Mujica, declarou que “a luta contra o narcotráfico está sendo perdida em quase todos os países”. Com essas palavras, ele tenta justificar a recente decisão do governo de permitir a compra mensal de até 40 gramas de maconha na rede de farmácias credenciadas e de permitir o cultivo para uso pessoal de até seis plantas por residência. Enquanto isso, o empresário americano Bill Chaaban, dono da Creative Edge Nutrition, em Detroit, está investindo 16 milhões de dólares na produção e distribuição da maconha e está construindo a poucos quilômetros dali, do lado canadense da fronteira, uma estufa de 6 mil metros quadrados para plantar e distribuir a erva dita medicinal no Canadá, de acordo com o repórter Raul Juste Lores. Segundo a mesma fonte, Chaaban está de olho na possível legalização da droga também nos Estados Unidos.
Tais acontecimentos estão incomodando até a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, da ONU: “É lamentável que, num momento em que o mundo está envolvido em uma discussão sobre o problema das drogas, o Uruguai tenha agido antes da sessão especial da Assembleia Geral da ONU [sobre o assunto], prevista para 2016”. Afinal, a ONU e quase todos nós sabemos que a liberação da maconha é um eficaz trampolim para outras drogas, inclusive o crack, sobretudo entre os jovens. Como explica Rogério Gentile, ela (a liberação) “potencializa o número de consumidores, já que não haveria mais o efeito inibidor da estigmatização social ou do receio de cometer algo ilegal”. Rogério informa que hoje 1,5 milhão de brasileiros fumam maconha diariamente.
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