Por Roney Ricardo
Foi com muita alegria que pude ter um de meus “rascunhos” prefaciados por aquele que considero ser não apenas um pregador, mas um pregador-teólogo comprometido com a verdade do evangelho, Pr. Hernandes Dias Lopes. Suas palavras naquele prefácio foram marcantes: “Hoje o Brasil é o país que mais imprime bíblias no mundo, mas ainda temos uma geração de analfabetos da Bíblia. Poucas igrejas têm um compromisso sólido com o ensino das Escrituras”. De fato, convivemos com uma negligência enorme no que tange ao ensino sistemático das Escrituras e sua promoção pela liderança das nossas igrejas. Nosso povo também é muito desinteressado de aprender a Palavra de Deus e de cultivar uma vida de devoção profunda (sem generalizações, é claro). Não é preciso uma pesquisa envolvendo muitas pessoas para se averiguar isso. Nossos cultos de ensino bíblico e de oração em geral ficam sempre vazios. Como alguém que vem dando palestras em igrejas e promovendo cursos bíblicos e teológicos, vejo isso com meus próprios olhos. E nem sempre a razão desse esvaziamento se dá porque o palestrante ou o professor é desqualificado. A realidade é que há mesmo um desinteresse, tanto por parte do povo como por parte da liderança de nossas igrejas (sem generalizações, é claro!).
Por mais de uma vez já me perguntaram, em palestras minhas sobre Bíblia e tradução bíblica, se precisamos mesmo de mais Bíblias de Estudo e se isso na verdade não é resultado de um mercado que se instalou na Igreja evangélica Brasileira. A minha resposta para essas duas perguntas é sempre um “Sim”, para as duas: sim, precisamos de mais Bíblias e sim, um mercado se instalou! Pode parecer contraditória minha resposta, mas estou convencido de que ela representa a realidade em torno dessas questões. De fato, muitas Bíblias de Estudo já foram escritas, e elas cumprem o seu papel no sentido de promover o conhecimento das Escrituras, sua melhor compreensão, o conhecimento dos contextos que envolveram a produção do texto bíblico, enfim. E diga-se ainda que várias dessas Bíblias foram produzidas por estudiosos sérios, de vasta cultura bíblica, de erudição teológica, comprometidos com a difusão da Palavra. Sem querer cometer injustiças e fugindo de qualquer parcialidade, e ainda, reconhecendo o valor desses homens a despeito de discordâncias teológicas, cito alguns nomes como Russell Shedd, Donald Stamps, Antonio Gilberto, Cyrus Ingerson Scofield, Luiz Sayão, Roland de Vaux, entre tantos outros, é claro. Sua contribuição nesse sentido é inegável! O próprio Donald Stamps, dias antes de morrer, deixou-nos este testemunho, registrado na conhecida Bíblia de Estudo Pentecostal: “A visão, chamada e sentimento de urgência que tive da parte de Deus para preparar esta Bíblia de Estudo ocorreram-me quando eu servia ao Senhor como missionário no Brasil. Observei que os obreiros necessitavam de uma Bíblia com estudos que os auxiliasse na orientação de seus pensamentos e nas suas pregações. Isto posto, por dez anos, a partir de 1981, comecei a escrever as notas e estudos doutrinários desta obra”[1]. As palavras acima são comoventes e ensinadoras. Uma obra que vem à tona como resposta à necessidade de um povo, de uma igreja, de seus obreiros e que demora uma década (uma década, isso mesmo!), para ser produzida, o que demonstra como o projeto foi encarado com tamanha seriedade. Nos últimos dias, grande polêmica tem havido em torno de uma Bíblia lançada com o nome de um cantor evangélico. E de fato, não era pra menos. A Bíblia leva a logomarca do cantor na capa e como ele mesmo afirma em um vídeo explicativo sobre o projeto, nela ele conta suas experiências pessoais com Deus, além de trazer fotos suas. Não quero aqui me ater a julgar suas intenções, como alguns tem feito, chegando a alegar que o produto vem numa hora em que a vendagem dos seus CDs caiu. Penso que só Deus pode julgar com total precisão essa questão. Mas algumas coisas precisam ser pensadas e criticadas em função de estarem evidentes: o referido cantor não demonstra cultura bíblica alguma em suas canções e ele alega que crê que a Bíblia, com fotos e relatos de suas experiências pessoais com Deus, possam estimular os jovens a ler mais a Bíblia. Veja as motivações para tal projeto! Precisamos mesmo de uma Bíblia que divulga experiências pessoais para estimular sua leitura? Ou precisamos de Bíblias que expliquem a própria Bíblia levando-nos a entendê-la melhor? Embora tenha um pouco de reserva quanto a livros que tenham um caráter muito pessoal, estou convencido de que seria muito mais legítimo que ele escrevesse um livro, de cunho pessoal, onde poderia trazer isso a público, se crê que essas experiências contribuirão para que os jovens leiam mais a Bíblia. Mas atrelar isso a uma Bíblia é realmente inadmissível. Considero isso uma ofensa a uma tradição (boa!) de longa data que vem sendo cultivada no sentido de produzir Bíblias de Estudos com enfoques variados. O referido cantor apela à sua popularidade, diz ser um dos mais influentes desse tempo e deseja usar isso para incentivar os jovens à leitura da Bíblia. Admito que nossa influência possa ter alguma utilidade, mas nesse caso, essa não seria essa uma motivação equivocada? Paulo expressa sua motivação em pregar o evangelho dizendo que isso era uma necessidade para ele! (cf. 1 Co 9.16), e não porque era influente. Em outras palavras, o evangelho por si, e não pelo anunciador. Fiquei mais consternado ainda ao saber que o projeto foi patrocinado pela SBB – Sociedade Bíblica do Brasil –, uma editora cujo legado maior é a difusão das Escrituras no Brasil e no mundo. Deixo claro aqui que minha crítica neste texto não ignora o que a referida editora já fez pelo Reino de Deus no que tange à difusão da Bíblia. É um erro descartarmos todo o texto em função de uma palavra errada. Mas estou convencido de que tal patrocínio, por parte da SBB, é incoerente com a sua imagem, com o seu legado e com o seu projeto maior que é “Promover a difusão da Bíblia e sua mensagem como instrumento de transformação e desenvolvimento integral do ser humano”[2]. E reconheço que ela tem, com eficácia, cumprido essa missão, para glória de Deus! Mas, porque patrocinar um projeto como esse, que leva o nome de um cantor que em suas canções não transparece cultura bíblica, não evidencia intimidade com a Bíblia e dá um viés pessoal ao projeto? Estaria nossa querida SBB perdendo de vista sua missão filantrópica e eminentemente ministerial, pelo Reino? Que Deus nos guarde! Oremos pela SBB!
Voltando à pergunta que dá título a este texto, “se precisamos de mais Bíblias de Estudo?”, respondo que SIM e que NÃO. Sim, porque precisamos sim que o povo evangélico tenha à sua disposição ferramentas de estudo sérias, produzidas por estudiosos com experiência, para aumentar sua compreensão da Palavra de Deus. E não, definitivamente não precisamos de Bíblias que sejam produzidas com vistas a divulgar experiências pessoais, afinal, experiência pessoal é pessoal: só serve a quem a teve. No máximo, podemos colher algumas lições. Não, não precisamos de Bíblias que divulguem fotos e fatos sobre a vida de fulano tal e fulana tal porque ele ou ela é influente ou é famoso. Isso não produz espiritualidade e nem profundidade de vida cristã. Isso só será gerado no cristão quando ele desenvolver uma vida de contínua comunhão com Deus por meio da oração, da leitura e estudo contínuo das Escrituras, da comunhão com a Igreja, entre outras coisas. Esse caso, recente, na verdade, não é o único. Outros projetos ridículos como esse já foram veiculados e isso só evidencia o quanto a Igreja brasileira precisa dar meia volta em direção à verdade do evangelho e viver conforme ela. Lamento profundamente que uma crise se instala em nossos dias e precisamos de fato de um reavivamento, de um retorno às Escrituras. Deus nos ajude.
Em Cristo,
Roney Ricardo.
[1] STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal. CPAD, p.15.
[2] Fonte: Site da SBB. Disponível em <http://www.sbb.org.br/interna.asp?areaID=14>. Acesso em 13/04/2015.
[1] STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal. CPAD, p.15.
[1] Fonte: Site da SBB. Disponível em <http://www.sbb.org.br/interna.asp?areaID=14>. Acesso em 13/04/2015.