Prezados 600 leitores, vocês lembram da parábola dos talentos (Mateus 25:14-30). Há, penso eu, pouco a falar sobre o assunto. Tem sido utilizada para ilustrar os mais diversos fins, alguns dos quais até escusos. Mas…, fazer o que? Porém, não custa nada relembrar seus tópicos principais.
Temos quatro atores: um senhor e seus três servos. Ele os conhecia, sabia sua capacidade e conforme este critério, distribuiu oito talentos, cada um dos quais pesava algo como 35 quilos de metal. Ao primeiro deu cinco, ao segundo dois e ao último, um talento. Não há nenhuma proporcionalidade aparente, detalhe que, aliás, se repete na versão um pouco diferente de Lucas (19:12-25). O senhor parte e, depois de algum tempo, retorna pedindo conta do que haviam feito desde então com seu dinheiro.
O primeiro servo havia amealhado outros cinco talentos, o segundo também dobrou o ganho do seu senhor. Todos foram elogiados e ganharam o direito de entrar no gozo do seu senhor. O terceiro, porém, escondeu o talento e o devolveu tal como recebeu. O desfecho dramático é que este único talento é dado ao que já tem dez e o servo improdutivo fica sem nada!
Era um castigo pela falta de confiança e iniciativa. O senhor sabia que ele podia fazer o talento render, mas o próprio não confiava em si mesmo. Esta é a terrível condição de muita gente boa que está na Igreja. Nada faz, nada produz, guardando o talento para nada receber no último dia. No mundo secular não é muito diferente.
Corre paralela, porém, uma atividade muito em voga: enterrar talentos alheios! Há várias versões. Numa delas um líder percebe o talento de um subordinado e passa a sabotar todas as iniciativas para dar relevo às suas capacidades. Nega-lhe os espaços, coloca gente incompetente e sem estatura moral para liderar aquela pessoa, instrui para que nunca seja ouvido, pretere em promoções, etc. Não é raro encontrar servos iguais em estatura que, não querendo que um deles se sobressaia ou diante desta possibilidade, passam a se sabotar mutuamente!
Eu trabalhei numa determinada empresa pública, cujos medíocres chefes eram promovidos em sua maioria, quase única e exclusivamente, por seus laços políticos. Em tempos de ausência de internet como a conhecemos e outros meios de comunicação, o gerente administrativo tinha o péssimo hábito de engavetar todos os concursos internos. Ou quando faltavam poucos dias e não dava mais tempo para as pessoas se preparar ele os afixava gentilmente no quadro de avisos da filial.
Outro chefe com o qual trabalhei vibrava no departamento quando alguém com talento era despedido ou preterido. Causava-lhe vergonhosa euforia ver alguém prejudicado num determinado pleito e buscava os defeitos de determinada pessoa para tê-los na ponta da língua caso alguém lhe perguntasse. Era o enterrador de talentos alheios com dossiês.
Não é raro que entre os enterradores de talentos alheios haja bajulação. É a pá com a qual muitas pessoas cavam bem fundo para enterrar o talento de alguém. Aliás, as ferramentas são bem diversificadas. Incompetência é a enxada. Insegurança, o trado. Mentira, a picareta. A cavadeira é a covardia. E por aí vai. O arsenal é imenso e é aplicado tanto isoladamente quanto em conjunto.
O enterrador de talentos alheios não tem prazer quando alguém se sobressai. Ele fica frustrado quando isso acontece. Não é raro ter ataques de fúria ou mentir maquiavelicamente até que seu intento se consume. Cria todas as barreiras possíveis para que uma pessoa não desenvolva seu potencial.
A menos que tenha algum ganho institucional, que seu próprio nome seja engrandecido ou que tenha alguma outra vantagem pessoal o enterrador de talento alheio não mexe uma palha pelo crescimento dos outros. Perceba que enquanto se preocupa nesse mister, acaba deixando de lado seu próprio talento. O tempo e o esforço que seria envidado para desenvolver-se é desprendido em prejudicar os outros. Vai perdendo oportunidades e deixando de galgar espaços enquanto está ocupado malignamente nisso.
O líder servidor, ao contrário, aquele que faz por onde os talentos alheios cresçam e apareçam sem se lhe opor ou tirar vantagem disso, acaba crescendo também. É o caso de Samuel, que ao ser incumbido por Deus de eleger um rei se esforçou para que isto acontecesse, mesmo que tal pessoa pudesse ofuscar sua posição. Chorou quando Saul errou e Deus o rejeitou. Ao fim da vida foi reconhecido como um dos maiores líderes de Israel. E o melhor: jamais foi abandonado por Deus!
Temos todos um justo e sábio senhor, que à semelhança da parábola, sabe exatamente os talentos que deu aos que com ele trabalham na seara. Não é possível esconder-se, nem ofuscar ninguém por muito tempo. Logo chegam os dias do acerto de contas e as coisas complicam.
Ai dos que enterram talentos. Ai dobrado para os que enterram talentos alheios!