Só reciclando um excelente post sobre o ministério pastoral feminino, por conta de uns comentários a respeito das pastoras que ministraram no Congresso da EBD, semana passada. Agora é um argumentador de alto nível teológico, talvez o ouçam. Fiz alguns destaques. Especial atenção para a parte em azul. Nossos exegetas e expositores, como eu cansei de dizer, não estão sendo honestos.
A SOBERANIA DE DEUS EM XEQUE
Análise do ‘interdito bíblico’ ao chamado divino de mulheres para o ministério pastoral batista brasileiro
Josué Mello Salgado, Th.D.
“Quem guiou o Espírito do Senhor, ou como seu conselheiro o ensinou?” Isaías 40:13.
“Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu alguma coisa, para que Ele lhe recompense? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.” Romanos 11:36.
Assim diz O Senhor: “Eu sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei,” Isaías 42.8
I) CHAMADO DEPOIS CONSAGRAÇÃO E SÓ DEPOIS FILIAÇÃO
Diz a Escritura Sagrada que “Foi Ele que designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres” (Efésios 4:11). Em Mateus 9:36-38 lemos que Jesus vendo “as multidões, compadeceu-se delas, porque andavam desgarradas e errantes, como ovelhas que não têm pastor. Então disse a seus discípulos: Na verdade, a seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara”. O que Jesus diz é que o nosso dever é rogar e a prerrogativa exclusiva do Senhor da seara é mandar trabalhadores. Nós pedimos, mas é Ele quem manda! E, para mandar Ele primeiro chama!
A Declaração Doutrinária da CBB se coaduna com essa compreensão bíblica e afirma em seu capítulo sobre o Ministério da Palavra: “Todos os crentes foram chamados por Deus para a salvação, para o serviço cristão, para testemunhar de Jesus Cristo e promover o Seu reino, na medida dos talentos e dos dons concedidos pelo Espírito Santo. Entretanto, Deus escolhe, chama e separa certos homens, de maneira especial, para o serviço distinto, definido e singular do ministério da Sua Palavra (,,,) Quando um homem convertido dá evidências de ter sido chamado e separado por Deus para esse ministério, e de possuir as qualificações estipuladas pelas Escrituras para o seu exercício, cabe à igreja local a responsabilidade de separá-lo, formal e publicamente, em reconhecimento da vocação divina já existente e verificada em sua experiência cristã” (PACTO E COMUNHÃO. Rio de Janeiro: Convicção, 2010, p. 26 – XI – Ministério da Palavra).
Na Bíblia, na língua portuguesa, e mesmo na Declaração Doutrinária da CBB (conf. p.ex. cap. III – O Homem, pg. 18), o substantivo masculino “homem” é também usado para se referir ao ser humano, independente do gênero, masculino ou feminino (Deus só criou esses dois gêneros!).
Antes de falar de filiação ou não de mulheres pastoras à OPBB, precisamos falar de consagração. E antes de falar de consagração ou não de mulheres ao ministério pastoral batista precisamos falar de chamada. Muitos dos debates atuais tratam apenas da questão secundária da filiação ou não à OPBB. De certo modo esta abordagem está correta, tendo em vista que nós os batistas cremos que cabe à igreja local a responsabilidade de separar, formal e publicamente, uma pessoa que dê evidências de ter sido chamada e separada por Deus para esse ministério, e de possuir as qualificações estipuladas pelas Escrituras para o seu exercício (vide a Declaração Doutrinária). Consagração ao ministério é prerrogativa da igreja local. Filiação à OPBB é prerrogativa das plenárias da OPBB. Mas chamada é prerrogativa exclusivamente divina! Nós os batistas cremos na afirmação bíblica da prerrogativa exclusiva de Deus quanto a autoridade para chamar quem quer e quando quer. Afinal, a Escritura registra a afirmação divina contundente: “Desde toda a eternidade, Eu o Sou; e não há nada nem ninguém que possa fazer escapar algo ou alguém das minhas mãos. Agindo eu, quem impedirá?” (Isaías 43:13). Se Deus resolve chamar uma pessoa para o ministério, “quem impedirá?” Ou ainda, quem tem autoridade para impedir? Não estaria “combatendo contra Deus” (Atos 5:39) alguém que tenta impedir a ação divina de chamar? Penso que sim!
Quando estamos tratando de chamada divina para o ministério pastoral, estamos pisando em “terra santa”, eis que esta não tem definição geográfica, mas teológica. A ‘terra santa’ não é idêntica à terra de Israel, mas ‘terra santa’ é o lugar onde Deus fala, o ser humano ouve e responde positivamente (Êxodo 3:5). Se assim é, a única atitude coerente é a de descalçarmos os nossos pés, desarmarmos o nosso espírito e nos esvaziarmos de qualquer pretensão de usurparmos uma autoridade que só a Ele pertence.
Assim é que me propus a refletir não sobre filiação à OPBB, nem de consagração pela igreja local, mas de chamada divina, temendo e tremendo, eis que estou pisando em ‘terra santa’!
II) INTERDITO BÍBLICO AO CHAMADO DIVINO DE MULHERES PARA O MINISTÉRIO PASTORAL BATISTA BRASILEIRO?
Nos séculos XVII e XVIII surgiu no seio da Igreja Católica Romana um movimento chamado Jansenismo com nítido parentesco com uma leitura extremada da posição de Agostinho, que exalta o primado da Graça sobre o mérito humano (em contraposição aos pelagianos) e que influenciou os reformadores. Essa escola teológica surgida com Cornelius Otto Jansen (1585-1638) tomou por assim dizer o aspecto de protestantismo dentro da Igreja Católica. Em contrapartida a uma antropologia pessimista o jansenismo defendia a soberania absoluta de Deus. Em 1727 faleceu um diácono (no sentido católico) jansenista e teólogo muito amado principalmente pelos pobres chamado François de Pâris (1690-1727). Ele foi sepultado no cemitério de Saint-Médard e em torno do seu túmulo surgiram rumores de fenômenos sobrenaturais, como curas milagrosas. Logo surgiram multidões de peregrinos. Os jansenistas vinham ao cemitério de Saint-Médard para orar e passaram a usar os testemunhos de tais fenômenos milagrosos como sinais do céu em apoio a sua luta dogmática, moral e disciplinar contra o Papa, a Bula Unigenitus – que em 1713 condenava os jansenistas, e os Bispos. Os devotos que iam rezar junto ao túmulo, afirmavam que lá se produziam milagres, visões e êxtases, as curas eram obtidas por meio de convulsões em torno do túmulo. Os fenômenos deram origem aos chamados ‘Convulsionários de Saint-Médard’, uma espécie de pentecostalismo. Pelo menos 800 pessoas teriam sido curadas pelas convulsões de 1731, entre elas várias pessoas de destaque. No entanto, vários escritores acreditam que os eventos extraordinários no cemitério foram muito exagerados. Milagres e êxtase não era novidade naqueles tempos, mas milhares se convertiam ao jansenismo, o que causou insatisfação por parte das autoridades eclesiásticas e políticas. O Rei Louis XV determinou o fechamento do cemitério em 27 de janeiro de 1732. Um humorista escreveu nos novos muros do cemitério:
“Por ordem do Rei, Deus está proibido de fazer milagres neste lugar”.
Para combater a adesão a uma visão doutrinária diversa da ‘oficial’, o rei Louis XV tentou vetar uma atividade divina; a de realizar milagres. Ouvi essa história pela primeira vez por Reis Pereira, pregando na Igreja Batista do IBES em Vila Velha (ES). A história me faz perguntar, por analogia, se é legítimo que afirmemos que “por ordem bíblica – ou de uma interpretação bíblica particular – Deus está proibido de chamar mulheres para o exercício do ministério pastoral batista”? Minha convicção bíblico-teológica e batista-doutrinária sobre a soberania de Deus me impede de colocar em xeque a soberania de Deus em matéria de chamado para o ministério pastoral; ainda que com a Bíblia na mão! Afinal: “O Vento divino sopra onde quer” (João 3:8).
O Evangelho registra uma controvérsia entre Nicodemos e os principais sacerdotes e escribas sobre a pessoa de Jesus Cristo em João 7:40-53. A controvérsia inicia quando alguns dentre o povo diziam: “Verdadeiramente este é o profeta” (vs.40), outros diziam: “Este é o Cristo” (vs.41). Ainda outros, dentre os quais os principais sacerdotes e fariseus perguntavam céticos e cheios de preconceito: “Vem, pois, o Cristo da Galiléia?”(vs. 41). Os líderes religiosos contestam a multidão crente: “Mas esta multidão, que não sabe a lei, é maldita”(vs.49). Surge então Nicodemos, que conhecia bem a lei de Deus, dizendo: “A nossa lei, porventura, julga um homem sem primeiro ouvi-lo e ter conhecimento do que ele faz?” (vs.51). Não deve haver dúvidas de que Nicodemos remetia principalmente às Escrituras Sagradas ao falar da ‘nossa lei’. Deuteronômio 1:16s; 17:4; 19:15 falam desse ‘direito’ bíblico. A réplica dos principais sacerdotes e escribas é absurdamente usurpadora da autoridade divina: “És tu também da Galiléia? Examina e vê que da Galiléia não surge profeta” (vs.52). Eles tentaram negar que Jesus era o Messias usando a própria Bíblia. O que fica óbvio é: a) o pressuposto de seu dogma era preconceituoso contra galileus, b) o interdito era inverídico e mostrava desconhecimento ou omissão de ter já havido profetas da Galiléia, por exemplo Jonas (2 Reis 14:25), c) o interdito era inverídico e revelava desconhecimento de ter Jesus nascido em Belém, na Judéia, ali há apenas 10 kms de Jerusalém. Ele apenas crescera na Galiléia. O que, entretanto mais chama a atenção é terem colocado a identidade de Cristo em xeque; com a Bíblia na mão! “O Dogma escrito aprendido tornou-os cegos para a revelação salvífica de Deus em Jesus” (Johannes Schneider. Das Evangelium nach Johannes. (Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament, 4). – Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1988, S. 172) . “Esses indivíduos que conheciam muito bem as palavras das Escrituras, eram incapazes de ouvir a voz de Deus. Possuíam conhecimento amplo e meticuloso do texto. Eles reverenciavam as Escrituras. Eles as memorizavam. Usavam-nas para regular cada detalhe da vida. …eles estudavam a Palavra, mas não a ouviam! Para eles, as Escrituras haviam se tornado um fim em si mesmas; deixaram de ser um meio de ouvir a Deus. (…) A tinta havia se transformado em fluido de embalsamamento” (Eugene H. Peterson. Trovão Inverso: O Livro do Apocalipse e a Oração Imaginativa. – Rio de Janeiro: Habacuc Editora (Danprewan), 2005, pg. 18).
Tais exemplos colocam em questão não tanto a autoridade das Escrituras, mas o seu caráter, sua natureza, e a relação dela com Deus. Eugene Peterson afirma que “A Escritura é a Palavra de Deus a nós, e não uma coleção de Palavras humanas sobre Ele”. Um exemplo simples: A Bíblia nos proíbe de matar o semelhante: “Então, falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não matarás” (Êxodo 20:1-2, 13). Esse mandamento é normativo para nós, não há dúvidas. É explícito e claro, como um dia ensolarado. Mas a Bíblia não é normativa para Deus e nem o pode ser, visto ser ele O Senhor absoluto, por isso podemos encontrar na Bíblia muitos textos como este: “E aconteceu no caminho, numa estalagem, que o Senhor o encontrou, e o quis matar” (Êxodo 4:24). O mandamento de não matar não vale para Deus! Ainda que a Bíblia explicitamente interditasse o chamado de mulheres para exercitarem o ministério pastoral batista – e estou convencido de que ela não o faz – ainda assim, não teríamos qualquer autorização de, com a Bíblia na mão, interditar uma prerrogativa que é divina, isto é chamar quem Ele quer. Repito, ainda que houvesse na Bíblia um único texto bíblico explícito dizendo algo mais ou menos assim: “não consagrarás mulheres ao ministério pastoral nem as filiarás às tuas associações de classe”, esse texto não impediria Deus de chamar mulheres para o ministério pastoral, pois que chamada é prerrogativa divina e a Bíblia é norma para nós, é Palavra de Deus a nós, e não palavras humanas sobre e para Deus.
Em suma, a nós não nos compete questionar o Pai quanto às suas decisões quanto a chamada para o ministério pastoral (conf. Atos 1:8). Deus é soberano, chama quem quer, quando quer, para o que quer e coloca onde Ele mesmo quer! Deus não nos deu a Sua Glória! (Isaías 42:8)
III) ACEPÇÃO DIVINA DE GÊNERO À VOCAÇÃO MINISTERIAL?
E, contudo levanta-se a pergunta se Deus revelou nas Escrituras de forma clara e inequívoca se Ele chama ou não mulheres para o ministério pastoral. Estou convencido de que não há nenhum texto bíblico onde explicitamente Deus revela sua vontade quanto a algum tipo de definição de gênero como pré-requisito para o exercício do ministério pastoral e que desse modo direcionaria o chamado divino apenas para o gênero masculino. Então a pergunta passa pela chave hermenêutica que usamos para interpretar a Bíblia, em possíveis evidências implícitas. É possível observar na fundamentação bíblica das posições controversas duas “escolas” ou tipologias de argumentação: “taborismo” e “utraquismo”. Sobre isso escrevi um artigo chamado “Consagração Feminina: Por que pensamos como pensamos? Apenas em resumo: De tendência taborita alguns crêem que a Bíblia não autoriza de forma expressa, i.é., ipsis literis a consagração de mulheres ao ministério pastoral, portanto a consagração deve ser rejeitada. Por outro lado uma hermenêutica bíblica utraquista parte do pressuposto e da chave interpretativa que a Bíblia não proíbe expressamente a consagração de mulheres para o exercício do ministério pastoral, sendo, portanto autorizada.
Lembro mais uma vez que estamos entrando em ‘terra santa’ pois a pergunta pivotal não é se podemos ou não consagrar, mas se Deus chama ou não! Obviamente caso a Bíblia afirmasse categoricamente que Deus não chama mulheres, teríamos que concluir que, Ele claramente não chama mulheres para o ministério pastoral!
Examino ligeiramente quatro argumentos usados por alguns, que apontariam implicitamente para um interdito à consagração e filiação associativa, por insinuarem certa acepção divina no chamado.
Antes uma palavra sobre um argumento ao meu ver absolutamente incompreensível e que vem sendo utilizado por muitos. É o caso de tentar associar uma possível aceitação de mulheres no ministério pastoral como uma brecha para aceitação de homossexuais no ministério. É óbvio que Deus não chama homossexuais para o ministério, pela simples razão de que ele não criou um terceiro, quarto, quinto gênero. Deus criou homem e mulher, diz a Bíblia. Além disso, a Bíblia afirma categoricamente que “do Céu é revelada a ira de Deus contra toda a impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça” (Romanos 1:18). Mais adiante a Bíblia explicita uma dessas impiedades e injustiças: “Pelo que Deus os entregou a paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural no que é contrário à natureza; semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu erro” (vs. 26-27). Deus usa vasos imperfeitos, mas não vasos sujos! Esse tipo de argumento é absolutamente inaceitável, visto que a mulher não foi ‘nascida em pecado’ (João 9:34) e nem está em pecado, por ser mulher.
IV) O ARGUMENTO DA FUNÇÃO DA MULHER COMO ADJUTORA
Gênesis 2:18 – “Disse mais o Senhor Deus: não é bom que a pessoa seja só; far-lhe-ei um socorro que lhe corresponda como uma imagem do outro lado do espelho” (tradução livre). O foco do texto em epígrafe é claramente a humanidade, o ser humano genérico! Esta interpretação é evidente, tendo em vista o uso do termo hebraico adam para designar homem, abrangendo ambos os gêneros, em preferência a zakar (Gênesis 1. 27) ou iysh (Gênesis 2. 23) ambos usados exclusivamente para designar homem, gênero masculino. O termo adam ao lado de enosh (Salmo 8. 4) é, preferencialmente, termo designativo de ambos os gêneros (homem e mulher) como fica claro em Gênesis 5:1-2: “Este é o livro das gerações de Adão (adam). No dia em que Deus criou o homem (adam), à semelhança de Deus o fez. Homem (zakar) e mulher (naqebah) os criou; e os abençoou e chamou o seu nome homem (adam), no dia em que foram criados.” Em suma: a humanidade, o ser humano, a pessoa humana (adam) pode ser macho (zakar) ou fêmea (naqebah); mais claro é impossível! Não é sem razão que a Bíblia judaica traduz o texto de Gênesis 2:18 assim: “Adonai, Deus, disse: Não é bom que a pessoa fique só.” (Bíblia Judaica Completa: O Tanakh (AT) e a B’rit Hadashah (NT). – São Paulo: Editora Vida, 2010). Posteriormente adam passou a ser também o nome próprio do primeiro homem: Adão. Tal compreensão é fundamental para entendermos que o Deus revelado nas Escrituras não é machista e nem feminista. Ele não concentra sua atenção e preocupação sobre apenas um dos dois gêneros. Ele tem propósitos para ambos, e ambos são iguais em dignidade e essencialidade diante dEle e alvo do Seu incondicional amor e cuidado. Ambos são também “por um pouco, menor do que Deus” coroados por Ele “de glória e de honra” (Salmo 8.4). Além disso são igualmente instrumentos úteis nas mãos de Deus; há portanto uma igualdade essencial e funcional entre homem e mulher. Curto: Deus não é ginófobo! O ser humano criado é, no referido texto, alvo de um (auto) diagnóstico divino: “não é bom que o ser humano viva só”! Para Deus um ser humano que vive só, alimenta-se só, trabalha só, se diverte só, decide só e que articula sua abordagem do mundo só, sem interlocutor ou contraponto, está aquém do ideal e do projeto divino. O ser humano que vive portando-se como senhor absoluto da verdade, sem aceitar a convivência com outro como interlocutor e contraponto, preferindo o monólogo e não o diálogo, vive só! Na verdade o primeiro “não é bom” da história humana não foi direcionado ao ser humano criado por Deus, mas à existência solitária! A fim de suprir tal “existência solitária” – e há muitos que vivem assim, mesmo rodeados de uma multidão – Deus providencia a Sua solução: um socorro que lhe corresponda como uma imagem do outro lado do espelho” (hebr. etzer kenegdô).
A expressão hebraica ETZER, traduzida como adjutora (ARC), ajudadora (ACF, BRP), auxiliadora (ARA) ou popularmente auxiliadora, ocorre 109 vezes no AT, em 102 versos, com 55 formas diferentes. O texto mais paradigmático do uso de etzer é com certeza I Samuel 7: 12: “Então, tomou Samuel uma pedra, e a pôs entre Mispa e Sem, e chamou o seu nome Ebenézer (hebr. eben-ha-etzer = pedra de auxílio) e disse: Até aqui nos ajudou o SENHOR. A forma de etzer no texto de Gênesis 2:18 é do substantivo comum masculino singular absoluto homônimo, e assim aparece 21 vezes no AT. Das 21 vezes, 4 são usadas para o ser humano, 10 para Deus, 6 abstrato ou comum e 1 vez é indefinida. A Versão Corrigida “Fiel” da Sociedade Trinitariana traduz o substantivo masculino singular ETZER de 5 maneiras: ajudadora (2), ajuda (3), socorro (9), auxílio (7) e ajudador (1). O curioso é que a tradução “ajudadora” só ocorre duas vezes, exatamente em Gênesis 2:18 e 20. Minha observação pessoal é que “ajudadora” é uma tradução que dá a idéia de subalternação, de ser a pessoa subalterna e mera coadjuvante, e que a tradução “por socorro” é mais fiel ao original substantivo masculino singular. Bem nos lembrou o nosso Luiz Sayão, especialista em hebraico, na Assembleia em João Pessoa, que o termo etzer é largamente utilizado para se referir a Deus, portanto uma tradução de etzer que imponha o desempenho de uma função ou papel meramente secundário e coadjuvante não é adequada. Melhor mesmo é pensar em ‘socorro’. Deus providenciou um socorro para o ser humano sozinho e solitário. Tenho uma mensagem baseada neste texto que intitulei de ‘Marias do Socorro’.
A idéia do texto é que o homem só estava em apuros e precisava de um socorro, providenciado por Deus, como diz o Salmo 89:19 – “Pus o socorro sobre um”. O livro de Eclesiastes apresenta esse socorro através do outro (4:9-12). Assim ETZER tem o sentido de auxílio, ajuda e socorro, não como inferior ou subalterno, mas exatamente ao contrário, no sentido de estar em condições de auxiliar, ajudar e socorrer quem precisa e está em situação de desvantagem, por estar sozinho (conf. II Reis 14. 26, Jó 29. 12, Salmo 30. 10, Salmo 54. 4, Salmo 72. 12). O ser humano só “estava em desvantagem e precisava de alguém que o ajudasse, o socorresse, quem o auxiliasse a viver melhor.” O outro, homem e/ou mulher, são para nós esse socorro divino para nos ajudar a não mais vivermos sós! Neste sentido eles são para nós representantes do Deus chamado largamente na Bíblia de Auxílio (ETZER). O Salmista orou: “Ouve, SENHOR, e tem misericórdia de mim; SENHOR, sê tu o meu Socorro (ETZER)” (Psa 30:10 AKJ). Assim cumpre-se a palavra divina: “Um ao outro ajudou e ao seu companheiro disse: Esforça-te!” (Isa 41:6 ARC). Expressivas são as traduções da NVI e da King James Atualizada: “alguém que o auxilie e lhe corresponda” e “alguém que o ajude e a ele corresponda”.
Finalmente este socorro providenciado por Deus é qui nagad (na frente de, diante de, à frente de, em frente de). A idéia é a de um espelho no qual, ao se olhar, o ser humano vê do outro lado, outro ser humano semelhante. O homem não pôde encontrar esse outro semelhante entre os animais (Gênesis 2. 20) por isso o outro será chamado “osso dos ossos” e “carne da carne”. É da mesma matéria-prima! Ninguém precisa mais viver sozinho! Ninguém deve viver mais sozinho! Por isso Deus oferece no outro, cônjuge, irmão, irmã, pai, mãe, parente, amigo, amiga, semelhante, um socorro como companhia e/ou contraponto olhado no outro lado do espelho da vida. Por isso, “Deus faz que o solitário viva em família” (Salmo 68. 6), inclusive na família de Deus, a Igreja. Homens e mulheres não são idênticos, como nenhum ser humano é idêntico a outro ser humano. Mas Homens e mulheres são iguais em dignidade diante de Deus. Homens e mulheres compartilham da igualdade tanto ontológica, quanto funcional. Ambos foram criados também para serem socorro e auxílio para o outro!
É preciso lembrar que a subalternação da mulher em relação ao homem não é fruto da teologia da criação, mas da teologia da queda. “E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a dor da tua conceição; em dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará” (Gênesis 3:16). Ao invés de fundamentarmos a nossa teologia sobre a mulher no pós-queda, deveríamos fundamentá-la no pré-queda, e afirmar o absoluto poder do Evangelho em superar as consequências danosas da queda. Foi assim que Jesus fez quando tratou da banalização do casamento; Ele insistiu, “não foi assim desde o princípio” (Mateus 19:4, 8).
Fundamentar um possível interdito bíblico ao chamado divino de mulheres para o ministério pastoral na base da função de auxílio e socorro atribuía equivocadamente apenas a mulheres não me parece uma boa prática exegética e hermenêutica.
V) O ARGUMENTO DA SUBMISSÃO DEVIDA DE ESPOSAS
Efésios 5:22 – “Vós, mulheres, submetei-vos a vossos maridos, como ao Senhor;” (ARV). Fundamental para a compreensão desse texto é inicialmente lembrar que a divisão da Bíblia em capítulos e versículos é tardia: século XIII d.C. para a divisão em capítulos; séculos IX e X d.C. para a divisão do AT em versículos pelos massoretas. 1551 d.C. para o Novo Testamento. Isso significa que esse versículo não pode ser lido à parte do todo. É preciso lembrar também que os títulos separando parágrafos (assuntos) não são inspirados, e por isso variam bastante. A Bíblia de Jerusalém, por exemplo, apresenta sua divisão de parágrafo à partir do versículo 21 com o título moral doméstica. Com isso o vs. 22 era contínuo com o vs. 21, originalmente: “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo”. Além do mais o verbo hupo-tasso – sujeitar, não aparece no vs. 22, só no 21. A leitura contínua seria assim: “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo. Vós, mulheres, a vossos maridos, como ao Senhor…” A chave hermenêutica também da segunda parte da epístola que começa no cap. 4 e trata do andar digno conforme a vocação com que todos nós, crentes, homens e mulheres, fomos chamados, e de modo específico do cap. 5:21 até o capt. 6:9 não pode, ao meu ver, ser a de papeis. A expressão papeis não se encontra no texto bíblico, portanto é apenas uma interpretação e não Revelação. Foi o taylorismo que inventou a idéia de papeis ou funções bem definidas para o bom funcionamento de uma empresa ou organização. O taylorismo é o modelo de administração caracterizado pela ênfase na divisão de funções, tarefas ou papéis objetivando o aumento da eficiência. Para funcionar bem uma empresa ou organização deve ter uma divisão de papéis bem clara e específica. Aplicado à moral conjugal significaria que o papel específico da esposa (não estamos falando em papel da mulher, mas da esposa) seria ser submissa ao marido, e, tal papel jamais seria do esposo. Por outro lado o papel específico do marido seria amar a sua esposa, e, tal papel jamais seria também da esposa! Não creio que a Bíblia ensina isso!
Ao invés dessa chave hermenêutica eu prefiro pensar que Paulo propõe uma nova relação entre esposas e esposos, pais e filhos, escravos e senhores diferente daquela vivida na sociedade de então. No versículo 21 Paulo traria a lei geral, ampla e irrestrita para todos os cristãos: “Sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo”. O princípio das relações na nova sociedade criada em Cristo é o da mutualidade, não da exclusividade. Note que o texto não estabelece nenhuma discriminação a partir de gênero. Tanto assim que vai concluir dizendo: “para com ele (o Senhor do Céu) não há acepção de pessoas” (6:9). A relação entre escravos e senhores é a mais explícita dentro desse princípio da mutualidade e não exclusividade: “E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles”!
O que entendo desse texto é que Paulo começa a exemplificar a sujeição mútua cristã, com as esposas. Elas devem se sujeitar aos maridos. É preciso lembrar que sujeitar (gr. hupo-tasso) não significa estar debaixo da ordem, no sentido de comando, mas da ordem, no sentido de organização, disposição divina. Hupotasso significa em primeiro plano, não simplesmente obedecer ou fazer a vontade de alguém, mas perder ou renunciar o próprio direito respectivamente a própria vontade. Tasso também significa dedicação, devoção. Ao dizer isso às esposas Paulo não apresenta nenhuma novidade para aquela sociedade da segunda metade do primeiro século, na grande e rica cidade de Éfeso. Naquele tempo esposos, pais e senhores de escravos detinham todo o poder e direito sobre as esposas, filhos e escravos. Não havia deveres deles para com esposas, filhos e escravos. Mulheres deviam obedecer a seus maridos. Maridos deviam mandar (esses eram os ‘papéis’ de cada um!). O que há não apenas de novo, mas de revolucionário é que Paulo diz que elas deviam fazer isso, “como ao Senhor”.
Então Paulo escandaliza porque ele passa a exemplificar a sujeição mútua do vs. 21 aplicando-a também a esposos! O que? Esposos também precisam praticar a mutualidade de sujeição? Sim, é o que Paulo diz! Eles fazem isso amando. E quem não diria que o amor que “não se impõe sobre os outros”, que “não age na base do ‘eu primeiro’, e que “tudo suporta” não é um amor sujeito ao outro (conf. 1 Cor. 13)? Outra verdade! Naquela época não havia a compreensão de que maridos deviam amar as suas esposas! Esposas existiam para gerarem e cuidarem dos filhos, não para serem amadas. Amadas podiam ser as meretrizes, lá na ‘casa do amor’ perto da ‘Biblioteca de Celso’, interligadas estrategicamente por um túnel para garantir a privacidade! E mais, o amor que se praticava lá na casa do amor era o eros, e este é o amor que busca ter para si o objeto desejado. Paulo escandaliza não somente ao dizer que esposos tinham deveres também e não só direitos sobre as esposas, ele também o faz ao dizer que eles deviam amar suas esposas; não as meretrizes; mais ainda, ele o faz ao dizer que o amor não era o eros, mas o ágape. Para que não houvesse dúvidas, ele explica, o amor ágape não é aquele amor que busca ter para si o objeto desejado, mas que se entrega pela amada!
Fundamentar um possível interdito bíblico ao chamado divino de mulheres para o ministério pastoral na base da sujeição exigida das esposas em relação aos seus maridos não me parece uma boa prática exegética e hermenêutica. O texto não fala de sujeição de mulheres a homens, mas de sujeição de esposas aos esposos. O texto não fala apenas de sujeição de esposas a esposos, fala também da mútua sujeição, porque para com Deus não há acepção de pessoas!
VI) O ARGUMENTO LITERALISTA SEMÂNTICO
A tentativa de encontrar sanção bíblica expressa para a rejeição esbarra na ausência de textos explícitos, sim de aprovação, mas também de recusa. Passa-se então a adotar uma interpretação literalista fundamentada no uso dos artigos definidos masculinos e na ausência de artigos definidos femininos. O problema é que a expressão “pastor” só aparece uma única vez em todo o novo testamento (no plural) se referindo aos líderes de igreja (Ef. 4.11 – POIMÉNAS (substantivo acusativo masculino plural de poimen) – “E Ele mesmo deu… outros para pastores” (Conf. o verbete POIMEIN (pastor) no artigo de Joachim Jeremias “a designação dos dirigentes das igrejas locais como pastores” in Theologisches Wörterbuch Zum Neuen Testament, Band VI, pg. 497).
A obsessão por uma análise morfológica dos textos bíblicos que identifique o gênero das palavras para assim determinar uma interpretação distinta e exclusivista, masculina ou feminina, para este ou aquele texto é temerária e ao meu ver insustentável. A forma da palavra hebraica etzer de Gênesis 2:18 que traduzimos como socorro é do substantivo comum masculino singular absoluto homônimo. Então significa que quem argumenta pelo literalismo semântico precisa ser honesto e traduzir o termo ETZER de Gênesis por um substantivo masculino, socorro ou auxílio. Para ser coerente precisaria entender que essa expressão está associada não às mulheres apenas, mas à pessoa humana, ao ser humano como fica claro pelo uso do termo hebraico adam, que segundo Gênesis 5:2 é um termo genérico, abrangendo tanto macho quanto fêmea.
Na abertura do sermão do monte lemos: “Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo ele se assentado, aproximaram-se os seus discípulos, e ele se pôs a ensiná-los, dizendo” (Mateus 5.1-2). A palavra grega mathetai (discípulos) é um substantivo nominativo masculino plural. Se vamos seguir a lógica da hermenêutica do gênero e o literalismo semântico significa que todo o sermão do monte foi direcionado aos 12 discípulos homens; nada do que está aí escrito é para mulheres que, aliás, por aí não podem também ser discípulas! Para obedecer o ide de Jesus, teríamos então que fazer discípulos de todas as nações, mas não de todos os dois gêneros. Só homens poderiam ser discípulos de Jesus. Às mulheres restaria continuar perdidas nas trevas… Outro exemplo está em Mateus 4.19 – “Disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens”. A quem Jesus dirigiu esse convite/ordem? Pelo texto bíblico: a Simão e André. Dois homens a quem Jesus comissionou para fazer “pescadores de homens”. Quer dizer que se eu aplico esse texto à toda a igreja, homens e mulheres, estaria, na linha de raciocínio literalista, errando duas vezes pois estaria atribuindo uma chamada divina feita a homens, também à mulheres e o que é pior, dizendo a elas para ‘pescarem’ também mulheres quando Jesus estaria dizendo originalmente à homens para ‘pescarem’ só homens! É óbvio o absurdo do argumento contra a ordenação feminina baseado em artigos definidos nos textos bíblicos, e em interpretação literalista da Bíblia. Bem disse Paulo que a letra mata!
Fundamentar um possível interdito bíblico ao chamado divino de mulheres para o ministério pastoral na base do literalismo semântico não me parece uma boa prática exegética e hermenêutica.
VII) O ARGUMENTO DA IMPOSIÇÃO DO SILÊNCIO À MULHER NA IGREJA
Essa subalternação de um ser criado ao outro, identificada na teologia da queda, representa uma ruptura da igualdade essencial e funcional, desejada e criada por Deus. Em Sua oração sacerdotal, Jesus orou “para que todos sejam um” (gr. hina pantes em osin – sendo osin verbo subjuntivo de eimi = ser). A oração de Jesus, portanto, era uma expectativa, um desejo, um sonho. Paulo, escrevendo aos Gálatas 3:28, disse: “porque todos vós sois um” (gr. pantes gar umeis eis este – sendo este verbo indicativo de eimi = ser). A expectativa de Jesus parece ter sido realizada na Galácia. E Paulo parece oferecer uma razão para tanto: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3:28).
Em Cristo, afirmou Paulo, não há homem nem mulher, porque todos são um. Ou dito de outra forma: “Todavia, no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher” (1 Coríntios 11:11). A teologia da redenção preceitua a isonomia entre homem e mulher.
Há, contudo, dois textos que trazem alguma dificuldade para nós: 1 Coríntios 14:34-37 e 1 Timóteo 2:11e12. “As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na igreja. Porventura foi de vós que partiu a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós? Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (1 Coríntios 14:34-37). “A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão (dedicação, devoção). Pois não permito que a mulher ensine (didasko), nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio” (1 Timóteo 2:11e 12).
E, contudo, a Tito (2:3) Paulo escreve: “As mulheres idosas (presbutidas), semelhantemente, que sejam sérias no seu viver, como convém a santas, não caluniadoras (diabolus), não dadas a muito vinho, mestras no bem (kalo-didaskalous)” (Tito 2:3 – ACF).
Sem entrar no mérito do uso de “presbutidas”, obviamente da mesma raiz de “presbíteros”, Paulo diz que elas devem ensinar, ser boas mestras. Enquanto em Timóteo ele diz que não permitia que a mulher ensinasse, e em Coríntios diz que se as mulheres quisessem aprender que aprendessem em casa com os seus maridos, aqui ele diz que as “presbutidas” deviam ensinar bem, ou como Lutero traduziu, ser boas ensinadoras.
É bem verdade que o verso subsequente diz: “Para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos” (Tit 2:4-ACF). E, contudo, a argumentação de que aqui Paulo estaria dizendo que as presbutidas deviam ensinar tão somente as mulheres mais novas, e não a homens, não explica a expressão clara, geral e irrestrita em 1 Timóteo: “não permito que a mulher ensine”, aplicável às mestras. E com referência às alunas Paulo é explícito: “se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos;” (1 Coríntios 14). É dos maridos que deviam aprender; não de outras mulheres.
É bom lembrar que a única vez em que a palavra poimen, pastor, aparece se referindo a seres humanos, e mesmo assim no plural, é Ef. 4.11. Naquele texto o título é pastores-mestres (poimenas kai didaskalous). Nesse caso, ensinar (disdakalia) é a principal função de pastores (poimenas).
Como encarar o ensino Paulino, aparentemente contraditório entre o veto (Coríntios e Timóteo) às mulheres para o ensino por um lado, e, por outro lado, o imperativo (Tito) às mulheres para o ensino?
Penso que a explicação para o veto está no contexto de um pano de fundo, tanto judaico quanto grego, desfavorável à mulher (ela não era uma pessoa, mas uma coisa), à ordenação legal (“como também ordena a lei” – 1 Coríntios 14:34), bem como a posição pessoal de Paulo (“Não permito” – 1 Timóteo 2:11), que era absolutamente honesto quanto às opiniões pessoais (“não tenho mandamento do Senhor; dou, porém, o meu parecer, como quem tem alcançado misericórdia do Senhor para ser fiel” (1 Coríntios 7:25). Quanto à afirmação em 1 Coríntios 14: “Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor”. Bem pode ser que Paulo se referisse à sujeição à lei, como “mandamentos do Senhor”, e não necessariamente ao veto ao ensino feminino.
Falando sobre as mulheres na igreja, William Barclay diz: “Foi Maria de Nazaré a que deu à luz e educou ao menino Jesus; foi Maria de Magdala a primeira a ver o Senhor ressuscitado; foram quatro mulheres as que, de todos os discípulos, estiveram ao lado da cruz. Priscila com seu marido Áquila era uma mestra apreciada na igreja primitiva, uma mestra que guiou a Apolo no conhecimento da verdade (Atos 18:26). Evódia e Síntique, apesar das desavenças, eram mulheres que trabalharam no evangelho (Filipenses 4:2-3). Felipe, o evangelista, tinha quatro filhas que eram profetizas (Atos 21:9). As mulheres anciãs podiam ensinar (Tito 2:3). Paulo considerava com alta honra a Lóide e Eunice (2 Timóteo 1:5), e muitos nomes de mulheres são mencionados com alta estima em Romanos 16.
Tanto o pano de fundo judaico quanto grego era que a mulher não era uma pessoa, mas uma coisa. Assim, as orientações paulinas são normas transitórias estabelecidas para enfrentar uma situação concreta. Não devemos ler estas passagens como uma barreira à tarefa e serviço da mulher dentro da igreja; devemos fazê-lo à luz do pano de fundo judaico e da situação em uma cidade grega. Todos são aptos para servir a Cristo, Deus quer usar a todos” (El Nuevo Testamento Comentado por William Barclay. Volumen 12 I y II Timoteo, Tito y Filemon. – Argentina: La Aurora, 1983, 74-77).
VIII) DE UMA COMPREENSÃO TITULAR PARA UMA COMPREENSÃO FUNCIONAL
Tenho uma visão pessoal sobre o ministério pastoral (idêntica sobre o ministério diaconal). Ele não é um título, mas é uma função, ocupação, tarefa ou como dizemos um ofício (os dois oficiais da igreja são na ‘tradição’ batista, pastores e diáconos). Tenho, portanto, uma compreensão funcional do ministério pastoral. Quando atuava apenas como diretor de Faculdade Teológica não ostentava nem usava o título de pastor em minhas correspondências e pronunciamentos, mas apenas o título acadêmico. Penso, por exemplo que se um pastor resolve assumir uma carreira política, deve identificar-se como político e não como pastor. Sou avesso aos candidatos a cargos eletivos na carreira política e que usam o moto: “Vote no Pastor Fulano de Tal”. Pastor para mim é quem exerce determinadas funções no Corpo de Cristo, em geral, plantar igrejas, dirigí-las e administrá-las (Tito 1:7), pregar, aconselhar, visitar, enfim ‘pastorear e apascentar as ovelhas e cordeirinhos de Jesus (João 21:15-17). Penso que se deixássemos a compreensão titular para adotar a compreensão funcional, teríamos uma melhor compreensão sobre o chamado divino para o ministério pastoral.
Quem ousaria colocar em dúvida que Deus chamou Jaqueline de C.A. da Hora Santos para “pastorear” ovelhas de Jesus – a missionária da JMN que pregou na CBB em João Pessoa e que antes de se casar, plantou 11 igrejas batistas? Quem ousaria colocar em dúvida que Deus chamou a missionária da JMN, hoje aposentada, Dilene Nascimento Rodrigues para pastorear as ovelhas de Jesus pelas várias igrejas por onde passou sozinha fazendo um extraordinário trabalho de plantação, liderança e pastoreio? Os exemplos podem ser citados ad infinitum! Milhares de Mulheres, chamadas por Deus, que funcionaram e funcionam como pastoras, embora sem o título oficial de pastoras. Digo oficial porque muitas delas foram e são chamadas pelo povo que lideram de pastoras!
Quem ousa colocar Deus contra a parede e em xeque, com um ‘interdito bíblico’ à prerrogativa divina absoluta de chamar quem Ele quer, quando Ele quer, para colocar onde Ele quer?
Deus nos diz através do salmista: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” Salmo 46:10. Gosto particularmente da tradução em português da King James Atualizada:
“Cessai as batalhas! Sabei que Eu Sou Deus!”
Que cessemos de vez as batalhas na seara de Deus (essa não é a ‘nossa praia’!) e deixemos Deus ser quem Ele é, Deus!
Fonte: http://vigiai.net/articles.php?article_id=6006