Sua igreja está interessada na gestão do capital intelectual? Mas, afinal, o que é capital intelectual? Como escolas dominicais e seminários teológicos agregam valor a este capital? A gestão do capital é estratégica para sua organização?
Um pouco de contexto
Já comentei em outras ocasiões neste blog que trabalho com educação teológica desde os 17 anos. A partir dessa idade assumi uma classe com cerca de 25 alunos na Escola Dominical. E não o fiz por brincadeira, mas me esmerei dentro das minhas possibilidades para dar o melhor conhecimento para meus alunos, esmiuçando cada lição, cada assunto, aproveitando cada oportunidade. Graças a Deus, muitos desses alunos se tornaram professores e dirigentes de EBD e trabalham em outras áreas do ensino na Igreja.
Evidentemente, a configuração da EBD e do aprendizado em geral mudou radicalmente. A própria dinâmica se pulverizou. Hoje o aluno começa na segunda a acessar o conteúdo das lições nos inúmeros portais que a comentam[1], assiste aos vídeos no YouTube, troca ideias nas redes sociais e se o professor não tiver conteúdo no domingo fica difícil retê-los. Aliás, a tendência é que a coisa se complique para o docente. Claro que não é preciso ficar acuado. Sempre haverá a necessidade de conduzir o aprendizado. O que vai ser exigido é uma qualificação cada vez maior e o descaso será cada vez mais evidente!
Portanto, em termos práticos já temos aí um EAD da EBD[2]. Ou seja, aqui e ali os conteúdos são disponibilizados na internet e o aluno ou professor, conforme sua comodidade, vai acessando e se inteirando ao longo da semana. Muitos até se ausentam da EBD convencional sentindo-se estar por dentro do assunto. Acrescente-se aí a possibilidade de interação de portais, blogs e mídias sociais e não há limites. Infelizmente, algumas igrejas e ministérios não se aperceberam desta realidade e tanto perdem alunos, quanto perdem professores. Boa parte delas nem canal no Youtube tem para divulgar o aprendizado da EBD. Outras sequer compreenderam os mecanismos sob os quais funcionam as mídias sociais.
O que dizer, por exemplo, de um canal no Youtube, de determinada grande igreja, que disponibiliza semanalmente o comentário das lições, feitos por seus abalizados comentaristas, mas fecha a área de comentários da própria ferramenta? Sim, pasmem!, não querem lidar com os questionamentos!? Sabe qual o resultado? Baixa audiência, desinteresse. Conheço portais de pastores independentes que possuem até cinco vezes mais audiência! Portanto, não basta estar na mídia, temos que aprender como estar e aproveitar as oportunidades. Claro que há os maus comentários. Nada que a moderação não resolva.
Eu profetizo aqui, inclusive, a morte da lição como a conhecemos. Que as igrejas fiquem atentas. A renda eventualmente auferida com o desconto das lições em papel tenderá a cair. Não há como fugir disso. A tendência é que ela seja virtual e cada vez mais barata. Visto que a mídia é produzida a valores ínfimos e não depende da gráfica. A médio e longo prazo isso pode ser um problema até para a própria CPAD, pois com a facilidade de produção de conteúdo muitas igrejas serão tentadas a fazê-lo por conta própria.
E vem aí a realidade virtual! Os players[3] da área estão correndo como loucos para oferecer conteúdo e baixar os custos. Assisti a uma palestra do Josh McDowell, na qual ele revelou que sua organização está produzindo conteúdo nesta mídia para disponibilizar aos evangélicos de todos os continentes. Vamos poder navegar na Jerusalém dos dias de Jesus, por exemplo, atrás de um simples óculos de realidade virtual, enquanto estudamos nossa lição da EBD! Os retardatários só tenderão a perder!
Mas o que é capital intelectual?
Fiz esta longa divagação para situar o leitor no cenário que nos interessa, vamos engrossar o caldo. Capital intelectual é o conjunto de conhecimentos, informações, habilidades, produções intelectuais, inteligências, habilidades de uma organização. Neste conjunto deve ser inserida a cultura e a cosmovisão organizacional.
Toda a produção intelectual de uma igreja, seja em vídeos, textos, estudos, livros, toda a qualificação intelectual de seus membros, de suas lideranças, o investimento em educação teológica em seus mais variados níveis é capital intelectual. Já caiu no esquecimento o tempo que a Assembleia de Deus abominava a teologia. Hoje há fome e necessidade generalizada de aprendizado! Engana-se, inclusive, quem pensa que vai diminuir… É aquela famosa história: quando encontrei as respostas, mudaram as perguntas!
Ontem, o Globo Rural exibiu uma reportagem sobre a produção de tomates, na qual é mostrada a importância do capital intelectual. Um agrônomo está à frente de uma iniciativa que numa mesma área duplicou a produção da fruta. Dentre os vários diferenciais o conhecimento acumulado em 30 anos de pesquisa! Ou seja, podemos até copiar a máquina, mas a expertise é intransferível!
De que forma isso afeta a igreja?
Muitas e de várias maneiras. Vamos partir para os aspectos práticos, ocasionalmente voltaremos à teoria. Suponha que uma igreja tenha milhares de templos, bem ornados e mobiliados. Isso significa que é uma igreja forte? Sim e não. Por sua representação simbólica, de alguma forma onipresente, podemos ter a impressão de importância. Acontece que estamos vivendo na sociedade do conhecimento. Se esta hipotética igreja não agregar à sua estrutura física capital intelectual a tendência é o fracasso ou a estagnação!
Olhe para a Igreja Primitiva. Por que Paulo se ocupou em escrever tantas cartas? Ele poderia se preocupar apenas em construir novas igrejas e levantar lideranças. Mas ele compreendia a necessidade de adensar o conhecimento de sua época. Obviamente, fez isso dentro de suas possibilidades. Note: ele não tinha nem papel como o conhecemos, uma boa caneta ou algo assim. Entretanto, foi um escritor prolífico. Se ele sentia-se cobrado a aumentar o capital intelectual da igreja num tempo em que ela nem templos tinha, que diremos nós?
Para piorar, nossos membros crescem cada vez mais em sua educação formal. Foi embora o tempo em que só tínhamos, sem diminuir a importância de tais profissões, muito pelo contrário, pedreiros, ajudantes, cozinheiras, trabalhadores braçais. Agora temos profissionais de todos os níveis, nossa sociedade se caracteriza pela predominância do setor terciário da economia e as empresas estão cada vez mais exigentes em termos de qualificação intelectual. Nunca houve, anotem!, tantos jovens com nível superior em nossas igrejas! E este número só tende a aumentar.
Por que a Assembleia de Deus tem perdido tantos jovens para o Calvinismo, por exemplo? Parte da resposta é que os jovens reformados aparentam estudar e pesquisar mais! Daí atraídos por essa aura muitos a eles se agregam. Costumamos tentar resolver o problema com fogo, efusão espiritual, mas não temos tido êxito. A CPAD tem compreendido a lacuna e buscado lançar títulos que a preencham, mas o problema é conscientizar a igreja local, o que poucos pastores estão dispostos a fazer. E até o fazem sem critério, qualidade ou visão estratégica. A própria editora tem sofrido por não ter feito o investimento adequado lá no passado para ter mais autores nacionais hoje.
Como está sendo feita a gestão deste capital em sua igreja?
Este é o cerne do post. A gestão deste capital é feita como a percebemos. Não basta ter um seminário teológico, nem uma EBD com muitos alunos. É preciso que o aprendizado seja efetivo! Temos ainda, por exemplo, ojeriza à avaliação. Tente fazer um ENEM teológico numa determinada igreja e você colecionará inimigos. Ninguém quer ser avaliado! Mas como se detectam as deficiências, senão analisando suas ocorrências de maneira estatística?
É preciso entender que acumular capital intelectual é um valor estratégico, portanto, de longo prazo, mas também vital para a organização. Temos vários canais em nossas redes sociais nos quais chegam relatos impressionantes de seminários teológicos mal estruturados, de EBDs sem uma sala específica para crianças, sem professores minimamente preparados, sem material didático. Em muitos lugares é notável a ausência do pastor ou responsável pela congregação.
O que dizer de um seminário teológico que tem em sua grade exegese, sem ensinar grego e/ou hebraico!? Estes currículos chegam ao orgão responsável e são aprovados, mas cadê um ENADE teológico para avaliar a qualidade dos alunos formados? Estas avaliações permitiriam priorizar necessidades, dando lugar a ações coordenadas e eficientes de promoção do conhecimento e melhoria da qualidade do ensino.
A gestão do capital passa, também, pelo investimento adequado em educação. Infelizmente, em muitas igrejas material didático, climatização de salas, treinamento de professores é gasto, dinheiro desperdiçado. Quanto do orçamento de sua igreja (se é que há um orçamento!?) está direcionado para a educação? É um bom começo para avaliar o que temos feito a este respeito.
Coisas simples como a falta de um acervo, de uma biblioteca, da valorização dos intelectuais (aqueles que sabem o que estão fazendo), de um levantamento deste capital intelectual denunciam o descaso com o assunto. O que empresas fazem? Via de regra, mantém informações atualizadas sobre as competências das pessoas, sabendo exatamente quem tem as habilidades necessárias ao desempenho de determinada tarefa.
Caminhando para a conclusão
As corporações do mundo todo já perceberam a importância do capital intelectual. Elas investem pesadas somas em conteúdo, treinamento, qualidade, cultura organizacional, entre outros itens. Temos visitado pequenas e médias empresas em que há equipes de multiplicação do conhecimento. Estimula-se a pesquisa, empresas custeiam graduações e pós-graduações para seus funcionários. Proliferam os cursos in company, que são aqueles nos quais as universidades vêm para dentro das empresas ministrar cursos e palestras. As diversas unidades de um mesmo grupo interagem trocando ideias e informações e implantando efetivamente o que funciona.
Assisti, recentemente, a um documentário sobre as transformações no campo. Funcionários que faziam o corte da cana, de forma braçal, agora estão dirigindo colheitadeiras refrigeradas. A quantidade de trabalhadores da área que estão desempregados é imensa, com a mecanização das colheitas. Mas não há como voltar atrás, pois aumentou a produtividade e baixaram os custos.
Ou percebemos agora o valor do nosso capital intelectual e fazemos as gestões adequadas em seus mais variados níveis ou, então, teremos perdido mais esta oportunidade.
Quem viver, verá!
Leia também: Por que pastores produzem intelectualmente tão pouco?
[1] Neste exato momento que vos escrevo já estão disponíveis diversos comentários da lição aqui
[2] Se alguém já cunhou o termo dou-lhe os créditos
[3] Chama-se player a qualquer entidade produtora de conteúdo para determinada mídia
Reportagem sobre a produção de tomates aqui