20.000 léguas submarinas
Imagine que você, um dos meus dez leitores, está na praia. A água é caribenha, de um azul magnífico. Você molha os pés, se sente à vontade, mergulha, nada, se delicia. Mas é apenas um nível do imenso mar que circunda o lugar aonde você está. Ou seja, aquilo que você vê um pequeno relance do que realmente é. A vinte mil léguas submarinas um verdadeiro jogo de sobrevivência envolve desde os mais minúsculos seres até os grandes tubarões e baleias. A cada légua os atores mudam, o cenário se diversifica ou escasseia, as brigas são mais sutis ou mais incríveis. A alimentação é apenas o detalhe mais significativo do cenário. Certo, certo, tem sempre alguém maior querendo engolir o menor, mas não é só isso. É preciso demarcar território, guardar proles, respirar, observar se o coral está morrendo, se a temperatura está subindo, o humor da maré e uma série de outros eventos em função dos quais as dificuldades aumentam ou diminuem. O mundo que nos cerca é assim. A igreja é assim. A vida cristã é assim. Enquanto uns brincam na praia, as batalhas mais ferozes ocorrem em cantos escuros e insólitos do imenso oceano.
Na praia chamada Brasil – porque cada praia do mundo evangélico tem sua própria filmagem spielbergiana – dois eventos se desenrolam. Um é o conhecido caso do pastor que está deputado, que catalisa todas as atenções. Já falamos aqui sobre inúmeras lições do episódio, mas a cada dia novos lances são acrescentados. Uma vertente pouco desbravada é a da relação da mídia com a igreja. Não custa, de partida, lembrar que havia e há uma simbiose. As igrejas e os pregadores querem seus quinze minutos de fama, não somente para angariar dízimos e ofertas, mas também para satisfazer ao ego. Só esqueceram de acertar quanto seria a fatura. Não existe almoço grátis! Muitos interlocutores venderiam a mãe para serem entrevistados num programa das grandes emissoras ou para ter um programa nelas. Não importa se a entrevista fosse editada ou desse relevo aos piores aspectos. Numa tentativa de enquadramento do foco já houve até pastor cobrando da Globo espaço. Já que a Vênus platinada tem seus tentáculos no Brasil todo… só que tudo isto custa caro. E não apenas dinheiro, mas valores que não podem ser medidos em reais.
Há vários posts aqui sobre o amor que a imprensa nutre pela Igreja. É utilitarista e pragmático, caricatural e estereotipado. Retorno financeiro é sempre o fiel da balança. Se não há retorno… nada feito. Por vezes, e esta é síntese que poderia fazer do momento, é a má notícia que conta. Não há dia, inclusive, quando a comissão não funciona (salvo engano, se reúne somente às terças, ao menos agora sabemos que dia o faz!?) que não saia notícia ruim na imprensa. Não estou defendendo o pastor. Suas declarações são atrativamente negativas, apesar de concordar com boa parte delas. O problema é que na praia, meus dez amados leitores, tem espécimes que se alimentam exclusivamente de lixo! E algumas dessas espécies parecem tão apetitosas à mesa. É o caso do camarão.
Ontem, o deputado ostentara um diploma de defensor de direitos humanos destas entidades que só existem para a idiossincrasia representativa. Aquela falsa sensação de importância, tão momentânea quanto a paisagem vista agora da janela. Mas há quem veja nisso alguma vantagem. Sabem aqueles casos dos amados irmãos que colocam um adesivo Autoridade Eclesiástica? Como se lhes conferisse alguma autoridade sobre a terra**? Hoje, pressionado pelas notícias de que a pessoa que lhe conferira o diploma é um conhecido criminoso, retirou a prebenda. Eu já vi esse filme com outros títulos, até mais pomposos e conceituados… mas deixa pra lá. Sigamos com o raciocínio.
Não há a mínima possibilidade desse jogo ser ganho do lado de cá. Na dinâmica do processo não está prevista esta possibilidade. Quem não lembra do Pr. Marcos Pereira? Entrevistas em horário nobre para expor seus, digamos, métodos de cura, tratamento de drogados e o dia a dia das congregações. Depois, denúncias atrás de denúncias. O jogo não é para amadores. Pra piorar, o mais contraditório: enquanto xingamos a Globo, por exemplo, dezenas de empresas evangélicas firmam parcerias com empresas que pertencem ao mesmo grupo para eventos e apresentações. Enquanto fazemos biquinho para a cobertura televisiva do caso Feliciano, artistas consagrados se entregam aos quitutes dos grupos midiáticos. Enquanto certos pastores falam cobras e lagartos em seus programas, para consumo de membros ingênuos, almejam aparecer nas vitrines de tais operadores.
Outra área da praia que precisa ser analisada é a da relação entre política e igrejas. Já falamos bastante do assunto aqui, procurem na busca do blog. O pastor Feliciano, tenha uma teologia capenga ou não, é mais útil à igreja como deputado ou como pregador? Ele prefere a primeira opção, mais de duzentas mil pessoas concordam com ele, entre estes pastores e líderes. Outro tanto elegeu outros representantes. Sendo que o saldo é que muitos outros ou se apagaram, como Hidekazu Takayama, ou se corromperam. Quando nada acontece do lado de lá, no de cá há os desgastes das indicações apadrinhadas, das benesses recebidas de forma oculta e dissimulada, que arranham reputações e trazem divisão e desunião. Um carro para um filho, um emprego para uma esposa, um cargo comissionado para o líder (que nem aparece para bater ponto, só vê o crédito na conta), um milheiro de telhas para uma congregação, um terreno, uma sala, uma contribuição mensal. Há quem cresça os olhos, tanto que as peças do tabuleiro de indicações já se movem (Feliciano está em franca campanha!). Não penso assim. Sem querer dar ideia, se a imprensa, nestes tempos de radicalização da ojeriza nutrida contra os evangélicos, fosse investigar o relacionamento político das igrejas com os governantes de turno, não sobraria pedra sobre pedra.
Alguns brincalhões inocentes, entre uma onda e outra, afirmam que o problema é a infantilidade de Feliciano. Mas quem não lembra do experiente e experimentado Caio Fábio? Aliás, o pastor é um exemplo acabado do trinômio igreja, mídia e política. Jogaram o dossiê Cayman em suas mãos, ele surfou com a possibilidade, depois quebrou a cara na areia. Nem vida pessoal, nem Igreja, nem política. Assim tem sido, via de regra. Outra colocação recorrente nos meios de comunicação é que a indicação do parlamentar obedeceu à sórdidas negociatas políticas. Não duvido, mas além destas, há a negociata da fé. Da praia não vemos nada disso…
Portanto, esta balbúrdia toda pode ser uma mensagem de Deus com dois conteúdos distintos:
Não quero minha igreja na mídia – A Assembleia de Deus, por exemplo, se expandiu por todo País, contando somente com a ajuda de Deus e dos seus aguerridos pregadores. Friso, somente, porque já há quem ache de pequeno tamanho tais recursos. Aproveitar oportunidades, de maneira sábia e sensata, difere radicalmente de promiscuidade e negociação de valores éticos. A busca de resultados que agrade aos homens fatalmente vai resultar em desagradar a Deus.
Não quero minha igreja nesse jogo político. Aqui me lembro de uma liderança que, ao apresentar suas indicações políticas, fazia um jogo de palavras dizendo que a Igreja não precisa de quem a defenda, mas de quem a represente. Pelo sim, pelo não, os apresentados se perderam no caminho e muitas das trapalhadas feitas por eles anos atrás repercutem até hoje. Nem representaram, nem defenderam, a não ser o próprio quinhão.
Para não cansar os que chegaram até aqui, todas estas ponderações deveriam reverberar num outro evento, a AGO da CGADB em Brasília, na próxima semana. Mas, infelizmente, a 20.000 léguas as brigas mais inconfessáveis estão se travando entre os dois postulantes e seus simpatizantes. O ajuizamento de ações na Justiça por este ou aquele mal procedimento tornou-se corriqueiro. Os ânimos se exaltam, os interesses afloram. Assim como 40 anos não bastaram a Israel no deserto, 100 anos não nos ensinaram a superar desafios. Dizem os exploradores que a partir de determinada profundidade no mar, o que mais se vê são esqueletos de baleia e outros grandes animais. Grandes, mas mortos, miseravelmente insepultos. Enquanto o camarão, o siri, o caranguejo se alimentam. Depois os comemos tão gostosamente. Quase nenhum dos grandes aparece na praia. Na profundidade, morrem em silêncio. No silêncio aonde são lançados todos aqueles que se esquecem de Deus.
No mar desta vida, também já pesquei
Do lado errado, em vão minhas redes lancei…
* Existem até carteiras. Já pensou pastor dando carteirada? Sem contar que qualquer um pode comprar, não há órgãos que controlem a emissão das tais!!!
** A parte mais engraçada do adesivo é que tal portador exerceria algum poder divino, mas quer ter autoridades sobre o mundo dos homens!!!?
PAZ DE CRISTO! Irmão, posso chama-lo assim? pergunto, pois muitos pastores blogueiros não respondem tampouco aceitam comentarios vindos de “membros comuns” ou seja tem que ser pastor ou algo que valha. Gostei muito do post. Quem é que sabe o que DEUS tem preparado para a AD E SEUS lideres que ja não vivem como IRMÃOS. QUE DEUS EM CRISTO TENHA MISERICORDIA DE NÓS!!!! Aliás sou seu decimo primeiro leitor…rsrsrs.
Oh! Irmão Jerri, fique à vontade para comentar. Abraços!
Perfeito, Deus esta nos sinalizando que devemos nos separara cada dia mais deste mundo satânico.
Como eu disse hoje na igreja, eles estão na mídia, eles controlam tudo, sempre esteve nas mãos deles, pois o príncipe deste século já se tem manifestado.
Saudades da minha velha e boa Assembléia de Deus.