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103 anos: o que comemorar?


O dia 18 de junho de 2014 imprime na história a marca dos 103 anos da Assembleia de Deus no Brasil. Não tive tempo para escrever sobre o fato. O faço agora de maneira resumida somente para não perder a deixa. Seguimos a linha crítica do blog, os ufanistas que escrevam em seus próprios espaços virtuais…

Em primeiro lugar, não falamos aqui de uma Assembleia de Deus, para desespero de Gunnar Vingren e Daniel Berg, se vivos estivessem. Tenho certeza que se soubessem aonde ia dar esse rio não cavariam seu olho d’água. Há ministérios às pencas, amparados no pomposo nome assembleiano. Alguns dos quais se distanciam radicalmente da ortodoxia evangélica. A apatia da CGADB para salvaguardar nosso quinhão é evidente.

Em segundo lugar, os projetos de poder se sobrepõe aos anseios do reino. É notório o encastelamento e o fortalecimento de nomes, personalizando a estrutura eclesiástica. Li quase nada sobre isso pelos blogs… Praticamente, não há governança corporativa, exceto por espasmos pontuais. Uma igreja com mais de cem anos deveria ter elaborado algo mais profissional e organizado. Aliás, a festa é o eco desses feudos, com uma comemoração em Belém, sob a égide da Igreja Mãe e outra em São Paulo [e Brasil afora] sob a liderança da CGADB. O episcopalismo se radicou no inconsciente coletivo, embora a liderança jure de pés juntos que somos congregacionais.

A denominação não tem projetos de grande porte. O que há são iniciativas isoladas. A Copa é o retrato disso. Aí vem uns pensadores falar apenas dos desvios doutrinários, esquecendo que muitos deles são apoiados e incentivados pelos próprios pastores. Quem não lembra do GMUH? Curiosamente, a maior ameaça hoje à Assembleia de Deus é a própria Igreja! Não ponham o Diabo nesse angu, há muito ele não precisa mais tentar os crentes assembleianos!

Para não ir mais além, as peças do xadrez assembleiano já se movem para a próxima eleição da Convenção Geral. Engana-se quem pensar que o problema está no pleito. Não, o problema está na incapacidade crônica de pensar na Igreja em detrimento próprio. A AD americana promove eleições até para pastores em TODAS as igrejas sob a coordenação central. Aliás, na América Latina aonde igrejas foram implantadas pelos missionários americanos, exceto o Brasil, segue-se o modelo. Mas esta é apenas uma faceta dos inúmeros problemas estruturais dos quais não conseguimos nos livrar.

Será que a próxima geração de líderes honrará o legado dos pioneiros? Terão a capacidade de fazer as transformações de que precisamos? São as perguntas que me recorre todos os dias. Comemoremos pesarosos…

Vamos a um pouco de história?

No princípio era uma Assembleia de Deus. Oops! Era, mais precisamente, a Missão da Fé Apostólica, primeiro nome em terras tupiniquins. Missionária desde o início, ecoando os princípios da Igreja Primitiva. Quando foi necessário fazer o registro civil, afinal era uma associação com personalidade jurídica, Gunnar Vingren, numa estação de bonde com alguns irmãos, sugeriu duas opções: o nome que conhecemos, utilizado nos EUA, ou Igreja Pentecostal. A primeira opção foi unanimidade.

Assim nasceu nossa querida Assembleia de Deus, evocando os princípios congregacionais das igrejas americanas e suecas que, em parte, financiaram a empreitada missionária dos dois pioneiros e da própria Igreja Batista da qual eram oriundos os 21 membros iniciais e seus fundadores. O termo assembleia carregava aquele nobre sentimento de igualdade, fraternidade e compromisso mútuo. É significativo o registro captado neste trecho de um livro sobre nossa história: …tanto nos periódicos como nas cartas, os suecos ao falarem uns dos outros, ou de outros pastores brasileiros, sempre se reportam ao “irmão Vingren”, “ irmão Berg”, “irmão Nystron”. Note-se bem: esse tratamento paritário que os pastores (inclusive os pastores-presidentes das igrejas-sede) usam entre si, é o mesmo que todos os crentes, gente comum e sem título, usa entre si. Óbvio, todos são irmãos[1].

Tanto Gunnar Vingren, quanto Daniel Berg, tidos, indiscutivelmente, como fundadores nunca tiveram pendores patrimonialistas. Nunca registraram templos ou bens em seus nomes ou de parentes indefinidamente. Ao transferir o controle para os brasileiros, por volta do ano 1930, nada exigiram como reparação para si ou para outrem. Não há registro de indenizações ou reparações pecuniárias, nem mesmo após suas mortes. E seus filhos e descendentes nunca reclamaram algo neste sentido. O mesmo se pode dizer dos demais missionários estrangeiros que os auxiliariam nos anos mais decisivos da denominação. Ninguém estava fazendo investimento ou acumulando poupança! O detalhe é que eram pessoas humildes, tendo, inclusive, se dirigido aos EUA, entre outras razões, por conta de desemprego e crises financeiras em seu país de origem. Com a explosão numérica da denominação poderiam ter crescido o olho, amealhando quinhões e vantagens.

Outro traço marcante dos anos iniciais de nossa Igreja era que os pastores circulavam livremente em todo Território Nacional. Ou seja, não havia feudos em cidades ou Estados que impedissem a atuação ou grupos reunidos em Convenções distintas. Curiosamente, Vingren nunca gostou da ideia de se ter uma Convenção Geral[2]! Talvez sua mentalidade batista conservasse a ideia de que cada Igreja deveria seguir o modelo da autogestão. Ele pastoreou igrejas tão distantes quanto Belém e Rio de Janeiro. Berg, por sua vez, instalou-se em Vitória (ES) em 1922, apenas onze anos após a fundação da Igreja. Cinco anos depois pastoreou Santos (SP)! Lendo as biografias dos pioneiros presenciamos tal distância de destinos em praticamente todos eles. Tanto faz estarem nos rincões do Nordeste, embrenhados em alguma região amazônica, quanto adentrarem nos templos do Sul do País. Era uma só casa, uma só família, uma só igreja, um só rebanho.



[1]Alencar, Gedeon,  Matriz Pentecostal Brasileira, 2012, Editora Novos Diálogos

[2]Para os suecos as igrejas seriam comunidades livres. Para termos ideia de como levaram o pressuposto a sério, somente em 2004 nasceu a primeira convenção naquele país

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